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terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Bom Sujeito


Leandro era a imagem do bom sujeito. Era um sujeito responsável, inteligente, educado.
Trabalhava muito, estudava com afinco, e mirava sempre em coisas boas para seu futuro. Leandro gostava de futebol, mas não era fanático, Leandro era católico, mas não era fanático, Leandro tinha um interesse saudável por coisas que não lhe faziam nenhum mal. Não fumava, não bebia em excesso, consumia pouco sal, lia dois livros por ano, pelo menos, gostava de cinema europeu, de teatro, de música clássica e de se exercitar ao ar livre. Leandro era asseado, não passava um dia sem tomar banho desde os sete anos de idade, passava talco nos sapatos depois de usar, escovava seus casacos e tinha gavetas separadas para as meias coloridas e as brancas.
Leandro era o genro que povoava os sonhos das amigas de sua mãe. Leandro, com sua gentileza, seu temperamento comedido, com sua boa postura, com seus cabelos cuidadosamente penteados e sua barba cuidadosamente feita sempre lembrando os aniversários de todos e dando parabéns ao mesmo tempo em que tecia um elogio ácerca da roupa, dos sapatos ou do novo corte de cabelos da interlocutora.
Era também o genro dos sonhos dos pais de seus amigos. Era respeitador, educado, trabalhador. Conversava sobre política econômica, mercado financeiro, futebol e religião, que eram temas espinhosos, mas sempre tratava todos os temas de maneira centrada e equilibrada, como se fosse neutro, de modo que os pais de seus amigos e os amigos de seus pais gostavam de debater com ele.
Leandro, ao contrário do que os mais maldosos diziam, não era gay. Ele era tão heterossexual quanto seus amigos, quiçá mais. Mas não tinha namorada desde os dezessete anos de idade.
"Por quê?" Se perguntavam seus amigos. "Por que?" se perguntavam suas colegas de faculdade. "Como pode?" se perguntavam em uníssono as mães e os pais de seus amigos e os amigos de sua mãe e de seu pai.
A resposta, invisível para eles, era incrivelmente visível para quem convivia com Leandro:
Ele era um chato. Para ser um chato de galochas não lhe faltavam nem as galochas, pois ele de fato as usava quando chovia.
Á despeito de todos os seus inegáveis predicados, Leandro era inacreditavelmente morno. Baunilha. Careta. Xaropão. Tanto que nenhuma das irmãs de seus amigos, nem das filhas das amigas de sua mãe e dos amigos de seu pai conseguiam ficar perto dele por muito tempo.
A solidão que a chatice rendeu à Leandro foi abraçada e disfarçada como introspecção. O fato de nenhuma mulher ser doida o suficiente pra querer passar tempo à seu lado foi igualmente abraçado e era encarado por todos como um indício de seriedade do sujeito que espera pela mulher certa, o que era um engodo. Leandro ainda acordava de madrugada após sonhar com sua namorada dos dezessete anos, Ruth, que o deixara por que ele era incapaz de tomar qualquer decisão que fizesse oposição á vontade de sua mãe, ou de seu pai, ou das convenções sociais. Leandro viu seu relacionamento com Ruth degringolar e foi incapaz de brigar, espernear ou lutar por ela. Foi incapaz de agarrá-la pelo braço e dizer que a amava ou de beijá-la de surpresa e prometer se esforçar para mudar. Leandro escolheu se recolher ao silêncio e observar enquanto a mulher da sua vida se afastava dele até não haver nenhum fio de esperança para o amor de ambos.
Claro, Leandro não morreria sozinho, eventualmente calçaria seu proverbial pé torto em um chinelo velho, mas até lá amargaria uma vida solitária e artificial cultivada ao redor de sua imagem de bom sujeito, feita para agradar à todos ao seu redor, reflexo de incertezas e inseguranças que o levaram a anular a própria personalidade em nome do que todos esperavam dele e de sua incontrolável vontade de agradar que o levou á agradar todo mundo, exceto, talvez, á quem ele mais quisera agradar em sua vida.

2 comentários:

  1. Ah pobrezinho, não sei...Sera que ele não é bonzinho demais ? Essa mulherada gosta de homem brutu, homem malvado. As vezes ele é bonzinho e é confundido com chatinho.
    Ah não sei....coitado...

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  2. Quando somos jovens, as vezes somos meio Aquiles: o desejo de ser imortal. Todos, de alguma forma, te amarem, respeitarem por teus feitos e até pelas sublimações...

    De fato, perdemos ou deixamos jogados pelo caminho o que era de real o mais importante.
    Como éramos muito jovens, não sabíamos que um dos segredos da vida é o caminho contínuo, inesperado e sem retorno. Jamais teremos o que perdemos.
    Há milagres, poucos, eu espero por um: reencontrar o objeto perdido, esperando que não se tenha modificado muito com os anos.

    Acho que o pior é não lutar pelo que se quer!!!

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