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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Ódio...?



Luciana andava acabrunhada naqueles dias. Arredia, aflita, distante... Enquanto voltava pra casa do trabalho caminhando com uma decisão que contrastava com a indecisão que a açoitava internamente, ela não sabia bem o que era, não com certeza, mas tinha cada vez mais clara a impressão de que poderia ser o Roger.
Não era de hoje que os sentimentos dela por Roger estavam confusos. Ela não sabia dizer, com certeza, qual era a relação que tinham àquela altura, não sabia dizer o que sentia por ele, nem sequer se queria continuar estando perto dele.
Podia ser só uma fase, claro, mas também podia ser um irremediável desgaste, afinal, ela e ele estavam juntos já, desde meados de 1999. Pois é. Desde a época em que a Shaquira, o Lou Bega e o Khaled dominavam as paradas de sucesso das rádios do Brasil, o Fernando Henrique era presidente, o Lula apenas uma rascante voz da oposição, e ainda se podia comprar Cebolitos nos super-mercados de Porto Alegre.
Talvez fosse isso. Talvez fosse desgaste. Luciana não era habituada a permanecer tanto tempo em uma relação. Luciana não acreditava em amores eternos. Não acreditava em "...e eles viveram felizes para sempre.".
Claro, ela acreditava que podia ser feliz, precisava acreditar, mas achava que era mais palpável pensar em termos de "... e ela foi feliz ao lado dele por uns três anos, e depois foi cuidar de sua vida e ser feliz sozinha, pelo menos por um tempo...", que, ela sabia, não tinha lá a mesma musicalidade, mas ao menos parecia mais honesto para consigo mesma.
De qualquer forma, a questão ali, era que ela já estava com Roger a mais tempo do que havia estado com qualquer outra pessoa em sua vida. Não haviam sido maus anos, não era como se ela fosse infeliz ao lado dele, mas, ao mesmo tempo, ela tinha sofrido algumas decepções durante o tempo em que estiveram juntos e, talvez inconscientemente, ela ligasse essas decepções ao Roger, de modo que poderia ser interessante tocar a vida sem ele e ver no que dava. Mudar de ares, recomeçar, ter a oportunidade de fazer mais e de ser mais...
Ela não tinha lá muita certeza de que essa era a forma correta de proceder, até aí, nada de novo, Luciana já estivera naquela situação antes e sempre fora mais impulsiva do que cautelosa, jamais tivera problemas com isso, tomara suas decisões, certas ou erradas, e lidara com os frutos delas advindos sem pedir ajuda pra ninguém, porém, agora, ela não sabia como dizer ao Roger que tomara essa decisão.
Como chegar pro sujeito com quem ela dividira tudo nos últimos anos e informá-lo que achava que não aguentava mais ele?
Supôs Luciana que sinceridade brutal, rápida e rasteira seria o ideal. Como tirar um band-aid. Quanto mais rápido melhor. Poderia fazer isso naquela noite. Quando chegasse em casa do trabalho prepararia o terreno para ter uma conversa definitiva com Roger. Talvez fosse bom. Talvez fosse o correto, talvez não, enfim, Luciana não tinha uma resposta para essa questão, mas faria o que seu instinto mandava, haveria de ser o suficiente.
Chegou em casa e tomou banho como se fosse fazer isso pela última vez na vida, não colocou o perfume que Roger lhe dera de aniversário, podia passar uma imagem errada.
Saiu do banho, prendeu os cabelos e se vestiu. Ligou o rádio e arrumou sua mala na companhia de Damien Rice. Por alguma razão pareceu apropriado.
Ouviu o alarido das chaves dele no corredor antes de elas efetivamente tocarem a fechadura. Roger entrou, meio esbaforido. Camisa vermelha, blazer de veludo marrom, calça jeans, all-star vermelho. Largou os óculos a chave e a carteira sobre a mesa, virou-se para ela com um sorriso e estalou um beijo no ar em sua direção e correu pra cozinha desabotoando a camisa sem perceber a mala dela, feita, ao lado do sofá:
-A minha toalha tá por aqui?
-Na secadora.
Luciana se levantou e andou até a cozinha, Roger estava lá, descalço, segurava os tênis pelos cadarços e sacava a toalha da secadora. Olhou pra ela sorrindo, mas sua expressão mudou ao ver o quão séria ela estava:
-Aconteceu alguma coisa?
Luciana, ainda séria, sentenciou:
-Precisamos conversar.
-OK... Alguma coisa me diz que eu vou detestar o teor dessa conversa, mas manda brasa.
Aquele tipo de resposta era uma das coisas que haviam cansado Luciana. Na verdade, aquela resposta meio que serviu de gatilho para o que veio á seguir:
-Roger... Não dá mais. Não dá mais pra mim. Eu não consigo mais viver assim. Aqui. Contigo. Eu não consigo mais suportar o tipo de relação que a gente leva. Eu não sei mais o que a gente é. Namorados? Noivos? Marido e mulher? Duas pessoas que dividem apartamento por conveniência? Eu não suporto mais viver aqui contigo, Roger. Eu não suporto mais o teu bom-mocismo morno, essa tua ataraxia quase patológica, a tua incapacidade de levantar o tom de voz, os teus DVDs em ordem alfabética, acima dos livros e abaixo das action-figures na estante, eu não suporto mais o Playstation 3, nem o Discovery Channel, nem os jantares de terça, quinta e sábado, as idas ao cinema, os beijos de surpresa, o sexo sem surpresas, os passeios rotineiros, a sinusite crônica, o futebol de sexta, eu não aguento mais te ouvir citar Nietszche, Gandhi e Tarantino de memória, eu não aguento mais o teu ateísmo, nem os Beatles, ou o Creedence, o Coldplay e o Oasis... Eu não aguento mais. E eu tô me detestando por te dizer isso, por que, no fundo, eu queria dizer que não é tu, que sou eu. Mas não ia ser verdade. É tu. É tu e o teu silêncio rabugento quando alguma coisa te incomoda, a tua implicância velada com meus pequenos hábitos auto-destrutivos... Eu sei lá, eu me apaixonei por ti pensando que, com o tempo, tu fosse mudar, mas não. Tu continuou a mesma pessoa, não mudou em nada, e eu virei uma megera, e as coisas que fizeram eu me apaixonar por ti, então, hoje são as que me fazem sentir o contrário.
Os olhos de Luciana estavam vermelhos e as lágrimas escorriam abundantemente pelo seu rosto. Roger não disse nada. Suspirou e segurou a mão de Luciana:
-Se tu quiser que eu mude, eu mudo. Me desfaço de todas as coisas que te incomodam. Mudo meus hábitos, falo mais alto, frequento uma religião, não sei se consigo me desfazer da ataraxia, mas posso fingir que estou preocupado com as coisas. Quase tudo que tu mencionou tem solução. A gente só precisa conversar a respeito.
-Roger... Hoje, na maior parte do tempo, eu te odeio.
-E eu te amo o tempo inteiro.
-E como a gente fica?
-Espero que juntos.
Roger calçou os tênis de novo, pendurou a toalha de volta na secadora, apanhou as chaves e a carteira, mas deixou os óculos.
Luciana caminhou até a sala e fitou sua mala.

3 comentários:

  1. Damien Rice sempre faz parte dos piores momentos da minha vida também rs.

    DVDs em ordem alfabética acima dos livros....Será que isso é tão irritante assim? Se for, da um toque que eu chego em casa hoje mesmo e tiro os meus da ordem certa, não quero ninguém me detestando por causa dessa mania minha!!

    E COMO AlGUÉM PODE NÃO SUPORTAR O PLAY 3 A DISCOVERY E AS LOUCURAS DE QUENTIM ?????? Jesus amado Luciana, que cafonice da sua parte...

    Sobre a sinusite crônica....bem eu tenho N problemas nas vias áereas também e sei como isso irrita, eu mesma me odeio por isso.

    * ''E eu te amo o tempo inteiro '' foi lindo, que diálogo esse do final...

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  2. Ah, Laís, quase todos os defeitos do Roger são meus, a estante em ordem alfabética, citações, play 3, Discovery, sinusite... E, acredite, tem pessoas que se incomodam muito com essas coisas.
    Fazer o quê, né?
    Malditos civis... Quem precisa deles? Eheheheh.

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  3. hum....é quando as pessoas vão na minha casa, elas param diante da estante, e sempre dizem: ----ahh, você coloca os filmes em ordem alfabética?
    -Sim, legal né?
    -ah, é....legal....
    E eu sempre pensei que isso era o máximo ! Na verdade então, as pessoas saem da minha casa pensando '' que porre de menina irritante essa Laís ''
    Nossa, estou horrorizada... rs
    Mas se serve de consolo, você não me irrita, pelo contrário, é legal ver alguém com costumes tão parecidos com os meus .

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