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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Rapidinhas do Capita


Ontem, no mercado, vi um produto que me chamou a atenção: Repelente infantil.
Fiquei me perguntando qual seria o cheiro, e se seria, de fato, eficaz para afugentar crianças.

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Talvez tenha sido a chuva fina e fria de ontem, isso é fácil de supôr, difícil é adivinhar se foi a garoa do caminho entre trabalho e casa, ou, mais provável, a garoa do caminho entre casa e mercado, essa, por ter sido depois de um banho morno, é a suspeita número um.
Claro, pode ter sido outra coisa... O leite com chocolate estourando de gelado, a noite dormida todo torto debaixo de uma janela aberta e sob um lençol transparente de tão fino, e, pior de tudo, por nada além de preguiça de ir apanhar uma coberta mais pesada. Enfim... O resultado foi sentido na manhã de hoje. A garganta arranhando, o corpo dolorido, aquela sensação de peso nos seios da face que só quem sofre de sinusite crônica conhece em todo o seu esplendor, e o horror de ouvir os tendões e nervos estalando sob a pele do pescoço quando se mexe a cabeça...
Mas podia ser pior... Bem pior. Ele podia não estar apaixonado.

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Samuel andava sozinho pela rua, era uma daquelas frias tardes Porto Alegrenses em que o céu está azul, o sol está ali, mas ainda assim, você sente o ar gelado dos quatorze graus celsius permear o espaço entre as fibras do seu casaco e fustigar a sua pele de maneira impiedosa, tornando a respiração ofegante e dolorosa, pois cada inspiração queima as narinas. Ainda assim, é uma sensação gostosa, e ás vezes, apenas ás vezes, você inspira com um pouco mais de força, judiando do nariz, já vermelho pela baixa temperatura, apenas pelo prazer de sentir o cheiro do ar gélido ao seu redor.
Era assim que Samuel estava, embora, pela expressão em seu rosto fosse visível que ele não estava no melhor dos seus dias e encontrava pouca satisfação na beleza daquela tarde tranquila.
Sua roupa toda preta era um retrato do que ele sentia, Samuel estava apaixonado.
E, se havia no mundo coisa mais dolorosa que um amor não correspondido, Samuel ainda não a experimentara, de modo que ele vivia dias infernais desde que fizera sua declaração de amor à Carla, uma de suas melhores amigas, e recebera como resposta um sorrido tímido e um beijo no rosto. Gestos amigáveis que feriram o pobre Samuel. Muito. Demais. Mais do que se ela tivesse sacado uma faca e o apunhalado no fígado enquanto esmagava seus terstículos com um alicate e cantarolava o hino do grêmio em ritmo de axé.
Agora, ali estava Samuel, e ele sabia, que não passava de um tolo fingindo estar numa boa e tornando seu mundo um pouco mais frio.
Andava pelas ruas, imaginando o que fazer... Deixar tudo como estava, sem respostas definitivas, ou ir até Carla e pedir que ela lhe dissesse um simples e objetivo sim ou não?
Ele não sabia.
Do bolso de seu casaco de lã preto o MP3 player tocava música. John e Paul lhe diziam ao pé do ouvido que, em qualquer momento em que sentisse dor, se segurasse, e não carregasse o mundo nos ombros.
Que não os decepcionasse, e agora que a encontrara, fosse até lá e a conquistasse.
Samuel andou á esmo. Sem saber bem onde ia. Enquanto o coro de na, nanana, nanana ecoava em seus ouvidos, chegou ao prédio onde Carla vivia.
Um vizinho saia e segurou-lhe a porta, Samuel aproveitou. Subiu as escadas enquanto os rapazes de Liverpool lhe diziam que não fizesse bobagem, que escolhesse uma canção triste e a fizesse melhor. Que se lembrasse de deixá-la entrar sob sua pele, e então ele poderia começar a fazê-la melhor (melhor, melhor, melhor, melhor...).
Quando colocou o pé no andar onde Carla morava, ouviu o ruído de uma porta sendo aberta, e viu, diante de si, em um átimo, a porta do apartamento de Carla se abrir e um sujeito sair de lá.
Por reflexo Samuel subiu o lance seguinte da escada, e pôde ver, nitidamente, por entre as hastes de sustentação do corrimão, Carla segurar a mão ossuda do desconhecido. Abraçá-lo e entregar-lhe um casaco de couro preto envernizado.
O sujeito vestiu o casaco, abraçou Carla novamente, e saiu em direção à escada sem se despedir.
Samuel, claro, não bateu à porta de Carla. Ficou escondido na escada por uns vinte minutos, e então foi embora sem olhar pra trás.
Naquela noite ele chegou em casa e limpou a lista de execução de seu tocador de música. Nenhuma dos Beatles. Passou a ouvir heavy metal. Angra, Sepultura, e outras menos cotadas, passou a andar com uma turma diferente e nunca mais viu Carla de quem sequer atendeu as ligações.
Carla que, naquela tarde fatídica, terminara amigavelmente o meio namoro que tinha com Roger, pensando em tentar algo sério com Samuel, e não entendeu bem por que ele não quiseram mais falar com ela, mas superou, e, eventualmente, ainda pensava nele. Especialmente quando de seu CD player saíam as vozes dos Beatles entoando Blackbird.

2 comentários:

  1. História triste pra ler em uma sexta feira de aparência nubladamente angustiante.
    Ainda bem que aqui desse lado do mundo, eu também tenho os Beatles morando dentro do meu mp3 pra me acompanhar até em casa.

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  2. E o que seria de nós sem John, Paul, George e Ringo?

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