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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Rapidinhas do Capita


A luz da lua refletiu na lâmina da faca lançando uma claridade prateada nos olhos negros de Jucemar enquanto ele caminhava com passos decididos pelo apartamento que só não estava imerso em completo e absoluto breu por conta das janelas escancaradas que permitiam a entrada da luz pálida do céu.
Ele se deteve diante de uma porta fechada. Parou por um momento quando viu o próprio reflexo em um espelho. Assustou-se por um breve instante com a própria brancura destacada pela luminosidade indireta. Pensou se devia seguir adiante com aquilo. Pensou se valia a pena encarar as consequências. Se não era melhor pensar duas vezes antes de se entregar aos seus mais básicos e primevos instintos e saciar suas ânsias sombrias.
Apertou o cabo da faca e lembrou-se das outras vezes. Não haviam todas elas sido igualmente tensas? Não havia aquela tensão o levado quase ás raias de um gozo profano quando ele finalmente sucedeu em seu intento? Não haviam as consequências provado-se um preço razoável a pagar pela satisfação que sentia ao fazer aquilo? Respirou fundo e não pôde evitar que os cantos de sua boca apontassem pra cima quando lembrou-se da última vez. Do cheiro, da textura, do sabor... Ah, sim. Haviam consequências. Ah, sim. As convenções sociais certamente o tomariam por um pária. Ah, sim. Era errado. Era imoral... Mas não eram assim todas as boas coisas da vida?
Abriu a porta diante de si inundado de uma nova decisão. Deu passos decididos até a geladeira, e a abriu de sopetão. Sacou de seu interior o bolo de chocolate com leite condensado e cravou-lhe a faca arrancando uma fatia que era quase um quarto do doce. E a comeu ali, mesmo. Sem colher.
Seu nível de colesterol iria para o teto. A taxa de açúcar idem. Talvez não conseguisse dormir e precisaria se exercitar em dobro na semana seguinte. Mas enquanto lambia o chocolate e o leite condensado colados em seus dentes pensou:
-Dane-se. Tudo o que é bom na vida é errado, faz mal ou engorda.

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O telefone tocou, Aloísio se levantou gemendo e andou arrastando os pés até o aparelho.
-Alô.
-Oi, Waldir? É o Gomide! - Gritou a voz de taquara rachada do outro lado da linha, embaralhada pelo som de chiados quase ensurdecedores.
-Amigo, aqui não tem nenhum Waldir, número errado.
-Waldir! Fala mais alto, a ligação tá uma merda sem tamanho!
-Não, amigo, aqui não tem nenhum Waldir, porra...
-Ó, Waldir? Não tô te ouvindo, mas tenho-
-Amigo, aqui não tem Waldir nenhum, caralho! Pra que número tu lig-
-Ouve, criatura, eu não tô te ouvindo, escuta, é grave a coisa!
-Mas aqui não tem ne-
-O Flaviano descobriu tudo de ti e da Rosa!
-Mas aqui não tem Waldir! Não tem Waldir, imbecil!
-O Flaviano descobriu, e disse que vai matar ela, mas antes vai te matar!
-Eu não sou o Waldir, porra!
-Tu ouviu? Ele vai te matar! Vai arrancar teu saco e levar pra mostrar pra ela antes de matar ela, também!
-Eu não sou o Waldir, mentecapto! Vai avisar o Waldir!
-Eu tô me arriscando te contando isso, viu? Tu sabe que o flaviano é um filho-de -uma-puta louco, ele já matou antes! Eu só sou amigo dele por que tenho medo!
-Amigo, eu agradeço a consideração, mas aqui não tem nenhum Wald-
-Boa sorte, Waldir! Eu não queria tá na tua pele. Ou tu fica e morre tentando salvar a Rosa, ou foge e deixa aquele psicopata doente matar a guria...
-PELO AMOR DE DEUS! EU NÃO SOU O WALDIR! EU NÃO CONHEÇO NENHUMA ROSA! NEM FLAVIANO, E NEM TU!!!
-Ó, vê bem o que tu vai fazer hein? Pensa bem, o Flaviano não sabe como tu é, ele vai pra tua casa e vai meter chumbo em que tiver aí, é melhor tu-
-Quer saber o que mais? Foda-se! Eu não sou o tal do Waldir! Eu não conheço a Rosa e nem o Flaviano! A morte dele e dela é culpa tua, e não minha! Tua e da Claro, com esse sinal sem-vergonha que não deixa ouvir nada do lado daí da linha. Fodam-se vocês todos. A Rosa, bem na real, deve ser a maior piranha, pois tava com o maluco do Flaviano e resolveu se engraçar com o Waldir, e o Waldir é um mau-caráter que entra nessas com mulher comprometida! E digo mais! Tu é outro sem-vergonha, cagão, amigo da onça, tomara que o corno enfurecido do Flaviano descubra que tu foi alertar o Waldir e te cubra de porrada!
-Waldir! Ô Waldir! Ouve, hôme! Sai de casa e tenta pegar a Rosa! Mas sai logo! Eu tive que dar o teu número de telefone pro Flaviano, e ele já deve tá chegando no endereço!
-Quê?? Quê número tu deu? Que número tu deu pro Flaviano? Seu Gomide? Alô, seu Gomide?
Mas era tarde, já haviam começado a esmurrar a porta do apartamento do Aloísio e gritar que, se ele era homem, ele ia fazer as pazes com o criadore abrir a porta.

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-Eu não gosto de cebola...
-Quê mais?
-Nem de arroz.
-Tá...
-Nem pipoca.
-OK.
-Ambrosia, eu detesto. Doces em calda. Frutas cristalizadas. Qualquer coisa light, diet, ou zero.
-Tá.
-Não gosto dos filmes do Terrence Malick. Cinema europeu de modo geral. Acho Robert Altman um pé no saco.
-Tá... Que mais?
Música pop, dance, trance, techno, odeio. Só não odeio mais que pagode e funk. Mas odeio.
-Anotado. Mais alguma coisa?
-Gente eufórica. Gente que vibra. Gente que fala no cinema. Não suporto. Gente otimista, não gosto muito, também. Nem gente que eu não conheço colocando a mão em mim.
-Tá... Hã... E do que tu gosta?
-De ti.
-... Mais alguma coisa?
-Não que eu me lembre.

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