Pesquisar este blog

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Roupa íntima


O Durval espichou metade do torso pra fora da janela do apartamento e pendurou, com alguma dificuldade, a toalha que usara pra se secar após o banho. Enfiou a mão de volta pra dentro do apartamento, e sacou dois prendedores de roupa da cesta de plástico que estava pendurada por dentro da janela, colocando no varal retrátil uma cueca boxer preta recém lavada.
"Pronto", pensou. "Feito o carreto.". Estava se virando de volta pro lado de dentro do apartamento para ouvir as notícias do futebol quando seus olhos se desviaram brevemente pra baixo e ele teve sua atenção captada por uma peça de tecido colorida no varal de baixo.
Uma calcinha vermelha. Pequenininha. De renda.
Não quis ser indiscreto, mas não resistiu. Mirou a peça íntima e ínfima com atenção. Era bonita a calcinha. Não era bem o tipo de peça que se via com frequência em varais. Fio dental, alças laterais rendadas... Será que era assim que chamava? Alças? Ou tiras, que alça era só pra sutiã? Aliás, sutiã ou soutien? Com um "t" ou dois? Diabos, pensou Durval, estava se desviando em demasia do assunto. Aliás, deu-se conta, nem tinha que estar encarando a calcinha da vizinha, coisa mais feia, seus pais não o haviam criado daquele jeito. Precisava se conter.
Voltou pra dentro do apartamento. Sentou-se na frente da TV e ligou no noticiário esportivo. Levantou-se. Foi até a geladeira, apanhou um refrigerante e um frasco cheio de castanhas e voltou pro sofá. Colocou a garrafa de refrigerante e as castanhas na cômoda ao lado de onde sentaria e afofou a almofada que ficava ás suas costas. Virou as costas pro sofá, respirou fundo, mas não resistiu. Foi até a janela e deu mais uma espiada. Aquela calcinha o deixara intrigado. Nem era particularmente fã de peças como aquela, pra ser bem honesto, gostava mesmo era de ver mulheres com calcinhas de algodão com alças (ou tiras, ou seja lá como chamava) bem fininhas. A questão é que aquela calcinha, por mais que não fosse o seu tipo de calcinha preferido, era praticamente um sinal de identificação. Era uma peça que encerrava uma promessa. Era um tipo de depositório de más intenções, mas no bom sentido, claro.
A verdade é que ele conhecia a menina do 614, ela se mudara pra lá quase um ano atrás, ela e ele saíam de casa mais ou menos no mesmo horário, haviam pegado o elevador juntos algumas vezes, ela era muito bonita, sim, educada, também. Simpática, claro que ele havia reparado nela, já havia até a ajudado com as compras algumas vezes, lhe emprestara uma lâmpada, e a ajudara a trocar a resistência do chuveiro, mas foi só, se ela era areia demais pro seu caminhãozinho antes, imagine então, agora, sabendo que usava aquele tipo de peça íntima?
Na verdade, olhando em perspectiva, se ele fosse imaginá-la de roupa íntima, o que ele ainda não havia feito, e nem tinha por hábito fazer quando pensava em uma mulher, ele a imaginaria com aqueles conjuntos beges. Não aqueles de vovó. Não... Não, aqueles conjuntos beges de avó seriam um exagero... Ele a imaginaria com um conjunto bege de renda. Isso. Nada muito grande, mas também não muito pequeno. Uma lingerie sóbria e discreta. Não seria maneiro como aquelas calcinhas um pouco maiores e mais práticas de esportista, nem nada com bichinhos desenhados, nem a calcinha de algodão com as tiras, ou alças, fininhas que ele gostava, e muito menos aquela calcinha rubra que tinha luxúria escrito em braile nas rendas provocantes, aquilo era peça pra uma discípula de Lucrezia Bórgia.
Estava ali, imerso nesses pensamentos quando a vizinha colocou o corpo esguio pra fora da janela e se pôs a recolher a roupa, olhou pra ele e sorriu acenando, enquanto ele, nervoso, olhou pro céu com cara de paisagem e sorriu amarelo enquanto entrava de volta pro apartamento.
Naquela noite Durval sonhou com a vizinha do seicentos e quatorze. Em seu devaneio ela estava usando um corpete de couro negro, meias sete oitavos e cinta liga combinando com aquela calcinha escarlate do varal. Ela se aproximava dele, cândida apesar dos trajes sumários, e ao chegar perto o suficiente, sussurrava em seu ouvido que era tudo pra ele.
Acordou nervoso, o Durval. Suado e assustado. Foi ao banheiro, atendeu ao chamado da natureza, e foi à cozinha beber um gole d'água. Foi até a janela e deu uma espiada no apartamento abaixo. Várias calcinhas, ali. Nenhuma sequer parecida com a peça vermelha, mas havia algumas calcinhas de algodão. Não com as tiras, ou alças fininhas que ele tanto gostava, mas eram fofas, pra ser bem sincero. Meros embustes? Inquiriu-se Durval. Despistes para esconder a verdadeira personalidade da devoradora de homens em pele de universitária gentil? Ele não sabia. Foi pra cama se cobriu e fechou os olhos, precisava trabalhar no dia seguinte. Sentiu um calorão e precisou se descobrir. E abrir a janela.
No dia seguinte, após fazer sua higiene matinal e comer um café da manhã rápido, vestiu-se com presteza e saiu para o trabalho. Entrou no elevador e comprimiu o botão do térreo enquanto se escorava na parede do fundo.
Mal havia bocejado quando a porta do elevador se abriu. No sexto andar. Ela entrou, sorriu-lhe um "bom dia, vizinho" muito doce, e se escorou na parede um pouco á frente dele. Ele não pôde evitar de dar uma conferida rápida no traseiro dela. Estaria aquela moça educada usando, sob a calça jeans uma calcinha digna de filme pornô? Iria ela mais tarde, ainda naquele dia realizar peripécias de alcova de deixar Valéria Messalina corada? Durval ainda estava imerso nesses pensamentos quando a vizinha virou-se pra ele e percebeu que ele a mirava na altura das ancas. Enrubescido, Durval olhou ela nos olhos, então olhou pro teto, então, pra ela de novo, e sorriu sem graça:
-Calorão, né?
Ela sorriu sem dizer nada e continuou olhando pra frente. Quando o painel do elevador fez um estridente "ping", e a porta se abriu, ela saiu e segurou a porta pra ele, que agradeceu sorrindo. Andaram juntos até a porta do prédio, e então aconteceu, ele ia suspirar um boa dia e ir pro seu lado, mas ela o impediu:
-Vizinho... Desculpa, é mania, minha. Durval, né?
-Hã... É..
-Olha só, Durval, tu quer, sei lá... Ir no cinema, ou alguma coisa, qualquer hora dessas?
Durval a encarou por alguns instantes, era tão bonita com seus cabelos pretos bem compridos e as sombrancelhas arqueadas e os lábios bem desenhados e todo o resto... Quis dizer que sim, que adoraria, que só se fosse agora. Mas aí... Aí lembrou-se da calcinha escarlate. Lembrou-se da lingerie que exalava provocação por entre as rendas, lembrou-se que ela era uma linda e insuspeita devoradora de homens, e que por mais aventureiro que ele fosse, e ele não era nem um pouco, seria apenas questão de tempo até que ela o mascasse como a um chiclete e cuspisse apenas seus ossos e os restos de seu coração dilacerado. Apenas questão de tempo até que ela percebesse que ele era apenas um sujeito normal e bobo, que ficava com o cabelo todo bagunçado e engraçado quando dormia, e que assistia o mesmo filme milhares de vezes, e que ela não queria nada com ele. Pigarreou polidamente e disse:
-Pois é... Ando ocupado... Tenho que ver... Eu te aviso, tá? Bom dia.
E saiu em direção ao seu trabalho, deixando atrás de si a vizinha do seicentos e quatorze, que achou que tinha feito alguma burrada, afinal, era tímida como ela só. Mais tarde, na aula, acabaria comentando com alguma das suas amigas que levara um fora do vizinho, e seria de novo motivo de chacota das colegas por ser solitária. Mas enfim, não podia mais pensar nisso. Estava atrasada pro estágio e tinha aula mais tarde e nem sabia se ia poder passar na lavanderia pra devolver aquela calcinha vermelha sem-vergonha que acabara ficando no meio das suas roupas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário