Pesquisar este blog

terça-feira, 5 de abril de 2011

Sangue nos olhos


-Tem que ter sangue nos olhos! - Gritou o técnico em frente ao time durante a preleção. Após treze anos, o Bugre da Vila Nova alcançara a final da taça Cidade de Porto Alegre, maior torneio de várzea da região metropolitana, e era a oportunidade do Zéfiro, o técnico que esbravejava diante da equipe, se consagrar. Fora ele o capitão e artilheiro do Bugre treze anos antes, quando o time chegara à final e sagrara-se campeão do Citadino, apelido carinhoso do certame entre os boleiros.
Ele ainda era capaz de se lembrar da tensão quando, á beira do campo, dissera essas exatas palavras "Tem que ter sangue nos olhos!" a seus companheiros antes de pisar no gramado do campo do Parcão. Ele ainda se lembrava das pancadas sofridas, do corte fundo da trava da chuteira do beque adversário na sua canela, logo abaixo do joelho. Lembrava-se da sensação de triunfo quando marcou o gol da vitória e lembrava-se com gosto do peso do troféu. Dos tapinhas nas costas. Do churrasco e das cervejas de comemoração, e da festa no Clube Saviola, um prostíbulo dos mais caros, que fora, graças a ele, inteiramente paga pelo seu Saverin, dono do time, e pelo turco Mahmed, dono do armarinho, que prometera bancar a festa pro time se eles vencessem o torneio com o nome da lojinha estampado na barriga e nas costas.
Saiu até foto no Correio do Povo! Um feito. O Zéfiro, beijando a taça com seus colegas comemorando em volta. Ele lembrava de ter se ajeitado, alisado a camisa e endireitado a postura pro nome do armarinho do Mahmed ficar bem visível na foto. Assim o turco não ia ter como negar a noite da rapaziada no Saviola. Claro, o Mahmed, como bom turco que era não quis pagar por tudo integralmente. Então dividiu a despesa do churrasco e da noitada no Saviola com o seu Saverin. Que era judeu. Porvavelmente a única vez em que o conflito árabe/israelense foi dexado pra lá foi quando Zéfiro conversou com o Saverin e o Mahmed ao mesmo tempo. Incrível, provavelmente jamais se vira um turco e um judeu tão em sintonia quanto na hora de negar dinheiro pros jogadores, pensou ele. O Zéfiro, afinal, chegou a conclusão que não sabia como árabes e judeus podiam não se dar bem, já que rezavam por mesmo Deus, o dinheiro.
Enfim, aquilo ficara no passado. Aquele foi o último ano do Zéfiro como jogador. Ele já tinha trinta e sete anos, e a rapaziada que colocavam a jogar contra ele era muito maldosa e ligeira. Não tinham nem ideia de que o Zéfiro chegara a jogar profissionalmente aos vinte anos, no Cruzeirinho de Porto Alegre, e que era cria das categorias de base do Grêmio. Podia ter sido grande, diziam, se não gostasse tanto de, vejam vocês, churrasco, cerveja e noitadas como aquela no Saviola, treze anos antes.
Assim que parou de jogar na várzea, que ainda tinha treinamentos periódicos e jogos toda a semana, o Zéfiro viu a sua vida, que já não andava muito boa, piorar horrores. Ele trabalhava em uma loja de eletrônicos da Alberto Bins, era técnico em eletrônica, e entendia do riscado. Infelizmente, naquela época os video cassetes começaram a ser trocados por DVDs, e o Zéfiro, foi vendo-se escanteado pelos técnicos novos, mais atentos às novas tecnologias. E ele, um dinossauro, foi ficando pra trás. Chegou a pensar em fazer uns cursos de reciclagem, mas a verdade é que, com o que ganhava, e tendo que pagar a pensão pra Isabela, sua ex-mulher, e para Beatriz, sua filha que nunca via, era virtualmente impossível.
Zéfiro fez um acordo e se demitiu. Conseguiu uma quantia razoável como indenização, e a torrou inteira na compra de um carro usado. Sua ideia era usar o carro para trabalhar. Colocaria um anúncio nas páginas amarelas como tecnico em eletrônica que atendia à domicílio.
Infelizmente as coisas não saíram como Zéfiro planejara. Tirando eventuais chamados de velhinhas que não tinham condições de levar suas TVzonas antigas ao técnico, eram poucas as pessoas que ainda procuravam por aquele tipo de serviço na lista telefônica. E os chamados eram raros. O dinheiro começou a escassear, o seguro desemprego se aproximava do fim, e Zéfiro precisava encontrar outra coisa pra fazer. Ele procurou emprego e após alguns meses em que teve que fazer malabarismo pra viver de serviços esporádicos e entrar em um acordo com Isabela, que acabou entendendo que não era má vontade de Zéfiro, apenas má sorte, ele conseguiu um emprego em um frigorífico, carregando aquelas peças enormes de carne crua dos caminhões para dentro dos açougues.
Era um emprego, nas suas próprias palavras, de merda, e pagava um salário, também em suas palavras, de merda. Mas havia a estabilidade em saber que no final de cada mês seus parcos rendimentos o estariam aguardando na conta bancária. Claro, áquela altura a maior parte do seu ordenado ia para Beatriz, que estava em idade escolar e precisava sempre de um sapatinho novo, mais um caderninho, mais um livrinho, mais uma coisinha aqui e ali. Zéfiro não ficava bravo, nem achava-se injustiçado. Como não podia, ou não queria estar presente na vida da filha, achava importante fazer o que pudesse para tornar as coisas menos difíceis pra ela. Não devia ser fácil, ele supunha, ser a filha de um lar desfeito, de modo que ele não gostaria que ela passasse por ainda mais necessidades.
Durante quase três anos Zéfiro seguiu trabalhando no frigorífico, chegou a pensar que ficaria por lá. Mas um surto de febre aftosa acabou por fazer com que o gado brasileiro não fosse bem visto no exterior, o que causou uma queda vertiginosa no faturamento dos criadores, dos donos de matadouros e de frigoríficos, o que acarretou em uma nova demissão de Zéfiro. Dessa vez, unilateral.
Foram outros seis meses de susto, com a ameaça de a corda apertar de vez no pescoço. Mas Zéfiro não desistiu. Fez bicos em uma casa bem mequetrefe de vendas e consertos de eletrônicos usados, não pagava quase nada, não assinava carteira, nem recolhia benefícios, mas dava ao Zéfiro uma mínima sensação de segurança, indo trabalhar todo o dia no mesmo lugar, ou, pelo menos indo diariamente ao mesmo lugar ver se havia serviço. Nem sempre havia, e, sem mais nada pra fazer, Zéfiro ficava por ali, em frente à loja, esperando que, eventualmente, o dono chamasse por seu nome.Zéfiro viu seu dinheiro minguar. Precisou sair do apartamento onde morava, e mudou-se para um quarto de pensão. Como era cada vez mais difícil encontrar um trabalho temporário, e mais ainda um emprego fixo, Zéfiro resolveu apelar. Vendeu o carro que comprara anos antes, e entregou todo o dinheiro à Isabela. Disse-lhe que era para Beatriz. Pediu que Isabela poupasse, pois ele não sabia quando teria mais. Iria sair da capital, tentar procurar por trabalho no interior, onde havia carência de mão de obra em vários setores da indústria. Quem sabe não se estabelecia e mais tarde, convidava a filha para ver sua casa nova em uma cidade diferente, não é?
Quando Isabela lhe perguntou se queria se despedir de Beatriz, negou. Disse que tinha passagem comprada e que não podia se demorar. Pediu que Isabela lhe desse um beijo, a lembrasse de se dedicar aos estudos, e que quando as coisas ficassem difíceis, era pra ela ter sangue nos olhos. Enquanto Isabela, muito séria, insitia para que entrasse e falasse com a filha, Zéfiro foi embora acenando após mentir.
Não estava com passagem comprada, tampouco iria para o interior ou qualquer outra parte. Sabia que a oferta de emprego existia, mas era pra pessoas mais qualificadas que ele. E não se despediu da filha tanto por saber que era um estranho para ela quanto por ter vergonha de sua situação.
Zéfiro passou os meses seguintes trabalhando na loja de usados quando havia trabalho. Pouco depois, a loja fechou. O dono da loja foi tão direito quanto podia com Zéfiro. Deu-lhe a soma de um salário mínimo no dia em que fechou as portas, apesar de Zéfiro não ter sido chamado para consertar nada durante aquela semana inteira, e desejou-lhe sorte.
Zéfiro também desejava sorte. Ao menos melhor sorte do que aquela da qual desfrutava ultimamente.
Mas a sorte de Zéfiro não melhorou. Ele seguiu sendo castigado pelo mundo dia após dia, semana após semana, mês após mês. E aqueles meses viraram anos. Anos difíceis. E Zéfiro só não alcançou o fundo do poço e se tornou um mendigo pois mantinha a certeza de que podia melhorar, quem sabe voltar a ser quem fora um dia. Talvez, até, melhor.
Numa de suas andanças pela cidade a procura de um serviço como os que andava fazendo ultimamente, que incluiam limpar o banheiro de bares, cortar a grama de propiedades com jardim, carregar entulho em residências passando por obras, Zéfiro acabou na porta de uma casa bonita no Bom Fim. A grama estava alta, e Zéfiro tocou a campainha para oferecer seus préstimos em troca de algum dinheiro. Enquanto esperava que atendessem a porta, ajeitou-se o melhor que pôde, enfiando a camisa pra dentro das calças e estapeando a sujeira acumulada nas côxas.
Quando um sujeito de estatura baixa e cabelo enrolado começando a rarear na cabeça surgiu na porta, Zéfiro teve vontade de fugir. Era o seu Saverin. Dono do Bugre da Vila Nova, se ex-time. Zéfiro teve vontade de fugir, mas não fugiu. Estacou ali onde estava, em dúvida se seria ou não reconhecido pelo ex-patrão. Não era mais o sujeito atlético de treze anos antes. Muito pelo contrário. Era pouco mais que um farrapo de pessoa. Porém, seu Saverin o reconheceu. De imediato. Saiu da casa sorrindo, abriu o portão e o abraçou.
"Tu me caiu do céu, Zéfiro!", disse-lhe.
Entraram na casa e conversaram por horas. Zéfiro contou, por alto, suas desventuras, não queria dar a impressão de estar desesperado, mais ouviu que falou.
Seu Saverin, por outro lado, falou muito. Ainda era o dono do Bugre da Vila Nova. Mas o time não estava bem. Zéfiro ouvira pouco além de rumores desde que se desligara do time. Fora tratar da vida. Mas descobriu que o Bugre não andava bem das pernas não era de hoje. Na verdade, desde sua saída, o Bugre despencara ladeira abaixo e em mais de uma oportunidade o seu Saverin flertara com a ideia de fechar o time e parar de investir dinheiro em algo que mal e mal empatava o custo. Se o bugre ainda uncionava não era por mais senão o amor de saverin pelo futebol.
Zéfiro ouviu a tudo atentamente enquanto tomava uma medonha bebida de soja oferecida pelo ex-chefe. Não sabia o que dizer. Fora apaxonado pelo Bugre, se não fosse pela idade, Zéfiro tomaria pra si a camisa nove de seu antigo time e daria o sangue para ver a equipe alcançar novamente as glórias passadas. Explicou isso a Saverin, mas explicou-lhe também que já tinha quase cinquenta anos. E que não tinha mais condição nem físicas de jogar futebol duas vezes por semana por cem reais e mais um cachorro quente com coca-cola por jogo.
Saverin respondeu que entendia perfeitamente. E que nem sequer pensara em Zéfiro para a posição de centroavante. Mas pensara nele para outra posição.
-Técnico, Zéfiro. Tinha um filho de uma puta trabalhando lá, mas eu demiti o calhorda têm uma semana e não achei ninguém pra pôr na função. Fica no lugar dele! Eu te pago! Não é muito, o salário mínimo mais benefícios, como se tu trabalhasse na minha loja, mas pensa, tu ainda vai poder guiar o carro do time pra onde quiser quando não for dia de jogo, e te reerguer. O Burge precisa de tiu, Zéfiro, e tu precisa do Bugre!
Zéfiro ficou de pensar sobre a oferta. Despediu-se de Saverin com um caloroso abraço, e recebeu dele a recomendação de pensar direitinho.
A verdade é que Zéfiro queria muito voltar a fazer algo que gostava tanto. Futebol fora uma parte importante de sua vida, e se Isabela tivesse lhe apoiado em continuar jogando quando Beatriz nasceu, talvez ele e ela e ele pudessem estar em melhor situação, hoje. De qualquer forma, ele não queria colocar as suas mazelas na conta da ex-esposa. Entendia como deve ter sido assustador pra uma moça de vinte anos engravidar de repente sujeito de vinte e quatro anos sem nenhuma perspectiva de futuro.
Zéfiro sabia que podia ter sido um bom jogador de futebol, mas não tinha certeza se podia ser um técnico. Porém, quando chegou ao albergue onde passava as noitese deitou a cabeça no travesseiro de espuma sem fronha, teve certeza de que valia a tentativa.
Na manhã seguinte, foi cedo até a casa do seu Saverin e aceitou o cargo. O próprio dono do time o levou ao campinho usado pra treinamentos em um parque próximo, e o apresentou como novo treinador do Bugre da Vila Nova.
Não foi fácil pra Zéfiro assumir a função. Ele se sentia nervoso, duvidava da própria capacidade, questionava os próprios métodos, apesar de os atletas não o fazerem. Mas ele perseverou. Seguiu fazendo o melhor que sabia, o melhor que podia. No final das contas, era futebol, e de futebol Zéfiro sabia alguma coisa.
Quando era a cometido pela dúvida e pela insegurança, ele pensava em como haviam sido terríveis aqueles últimos anos. E quanta coisa perdera, e no quanto era importante aquela segunda chance pra ele, e, quem sabe, pra poder olhar sua filha sem sentir vergonha.
Funcionou. Zéfiro deu cara de time ao Bugre, novamente. Formatou a equipe para jogar favorecendo os melhores jogadores, e garimpou uma ótima dupla de atacantes em uma pelada de final de semana. O Bugre começou a empilhar vitórias. No intervalo das partidas, Zéfiro chamava os meninas e os orientava, assim que terminava a parte tática da coisa, bradava que podia faltar tudo: Fôlego, habilidade, cabeça, tudo era dispensável, contanto que houvesse sangue nos olhos.
E seus atletas tinham. Depois de suas preleções, cada um dos moleques do time entrava no campo disposto a se matar pela bola como se ela fosse o proverbial prato de comida. O Bugre avançou no novo campeonato que assumira o lugar do antigo Cidade de Porto Alegre, ganhou muitos jogos praticamente a pontapés, é verdade, mas é também verdade que empilhou outras tantas vitórias graças a habilidade e dedicação dos "guris do Zéfiro" como o Bugre passou a ser chamado entre os seguidores do futebol de várzea. Zéfiro sentia-se melhor, mais confiante, quase orgulhoso. Alugou uma casinha, voltou a enviar cheques para Beatriz, sentia-se gente novamente.
E, se a princípio, Zéfiro lamentou o fim do Cidade de Porto Alegre em nome de um roneio batizado com o nome de uma rede de lojas de material esportivo, a verdade é que o certame agora tinha muito mais visibilidade. Tanto, que antes mesmo da final, fotos dele e de vários de seus jogadores já haviam saído em um jornal popular da capital.
Quando da vésperado grande jogo, ele ligou para Isabela. Queria que Beatriz assistisse à partida, a única do torneio disputada em um estádio de verdade. Seria no Força e Luz, e Zéfiro conseguira, com seu Saverin, um ingresso na tribuna de honra que mandou para a filha. Queria saber em que horário poderia buscar a menina. Sua ex atendeu.
-Alô.
-Isa? Oi, é o Zéfiro.
-Oi.
-Tudo bem contigo e com a Isa? posso falar com ela?
-Ela não quer falar contigo.
-Por quê?
-Por que tu não quis falar com ela cinco anos atrás antes de sumir, Zéfiro. Por que tu acha que ia ser?
-Eu tava mal, Isa. Tava fodido. Me deixa... Deixa eu falar com ela. Olha, as coisas tão melhorando pra mim. Eu acho que eu tô melhor agora e-
-E tá pronto pra ser pai? Agora ela não precisa mais. Ela já tá bem criada. A Isa já tá com dezessete anos e encaminhada. E tudo isso sem precisar de ti por perto. Não te preocupa, ano que vem ela entra na faculdade e tu nem precisa mais mandar dinheiro pra ela. Ela não quer.
Zéfiro tentou argumentar, mas Isabela desligou. Ele voltou a ligar, mas ela tirouo fone do gancho. Ele ainda pensou em ir até a casa dela e obrigá-la a deixá-lo ver a filha, mas pensou melhor. Que direito tinha, afinal de contas, de impor sua presença agora? Quando a menina em plena criação precisava de um pai por perto ele se furtou ao dever. Agora, já com criação encaminhada, por que iria querê-lo por perto?
Conformou-se. Precisava colher o que plantara.
No dia da finalíssima contra o Cachorrada da Restinga, Zéfiro uniu seus atletas e lhes contou sobre as mazelas e dificuldades que passara na vida. Não haviam sido poucos os perrengues que vivera, mas ele sempre trouxera consigo a lembrança daquele título de treze anos atrás. E sempre teve a esperança de repetir aquela façanha, e saborear a glória novamente. E agora, ele disse, a oportunidade estava ali, não apenas pra ele, mas pra todos eles! Eram meninos com idade inferior a junior em sua maioria, poderiam ser vistos por olheiros de grandes clubes e seguir carreira além do amadorismo, ir jogar na europa, ou na ásia onde haviam grandes salários. Que entrassem e dessem o melhor de si! A vida nem sempre oferecia segundas chances, mas, nas raras vezes em que ela oferecia uma, era melhor tentar agarrá-la. Com vontade, sem medo, com sangue nos olhos!
Os meninos entraram em campo batendo palmas e vibrando. Zéfiro teve certeza de que aquele era o dia em que ele reencontraria as glórias de anos antes. Em que ele voltaria a ser feliz. O futebol lhe devolveria a glória que a vida lhe tirara por tanto tempo.
Após um pegadíssimo primeiro tempo que acabou empatado em zero a zero, Zéfiro orientou os meninos, mostrou-lhes o caminho do gol, e pediu que tivessem calma e que não deixassem de acreditar, pois eram bons o suficiente pra vencer aquela partida.
No segundo tempo, porém, a inexperiência do time do Bugre se fez sentir. Os jogadores do Cachorrada, todos cobras-criadas, começaram a intimidar e provocar os meninos do Zéfiro, e, após uma expulsão e vários cartões amarelos, acabou acontecendo, aos vinte e dois minutos do segundo tempo, o gol do time da Restinga.
Zéfiro ainda tentou mexer na equipe. Trocou um volante e um sagueiro por uma atacante e um meia. Mas não adiantou. Aquela não era sua tarde. O jogo terminou, comemoração dos atletas do Cachorrada, tristeza dos meninos do Bugre, consolados um a um por Zéfiro. Muito após o final da partida, Zéfiro, sozinho no vestiário do acanhado estádio do Força e Luz, recebeu um tapinha nas costas do seu Saverin.
-Não te mixa, Zéfiro. Hoje, mais que nunca, eu voltei a amar futebol. E tu vai ser o técnico do Bugre enquanto quiser o cargo.
Zéfiro apertou a mão do chefe, e permaneceu sozinho no vestiário escuro. Não reencontrara a glória de seus dias passados, não se sentia uma pessoa melhor do que noventa minutos antes, nem mais completo.
Apesar de saber que obtivera uma oportunidade que poucos conseguem, lamentou por não sentir que o que obtivera fosse um novo começo. Imaginou se estaria se sentindo de outra forma se tivesse vencido, se não tivesse fracassado de novo. E ali, na solidão sombria daquele vestiário abandonado, chorou.
Sentiu as lágrimas lhe escorrendo rosto abaixo, e quando a porta do vestiário se abriu, disse com voz embargada que sairia em um minuto. E uma voz feminina respondeu:
-Não precisa ter pressa, pai. Precisa só ter sangue nos olhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário