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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Inveja


Jorge estava deitado na cama de seu quarto olhando para Ludmilla, sua esposa, que dormia a seu lado. Jorge a olhava procurando algo de bonito na esposa, mas não era capaz de encontrar nada que agradasse aos olhos. Ludmilla era uma mulher feia. Muito feia. Olhando em perspectiva, Jorge, que não era nenhum mister universo, poderia, sem grandes dificuldades ter encontrado coisa melhor. Na verdade, quem olhasse para Ludmilla perceberia que ela era tão feia que praticamente qualquer coisa seria melhor.
De toda sorte Jorge não casou com Ludmilla procurando beleza. Nem personalidade. Tampouco inteligência. Ludmilla não tinha em profusão nenhum dos três predicados. Jorge casou com Ludmilla por que ela era fiel. Muito fiel. Fiel como um perdigueiro. Se uma coisa sempre povoara os pesadelos de Jorge, essa coisa era a possibilidade de ser traído. Jorge, por alguma razão, morria de medo da simples ideia do desgosto de ser traído.
Quando alguém lhe contava piadas de corno, ele se enfurecia, não achava graça, tinha empatia excessiva pelo marido traído e era incapaz de rir da anedota. Quando alguém lhe confidenciava fofocando que a mulher de fulano estava saindo às escondidas com beltrano, ficava mortificado de ira e desgosto como se a esposa traidora fosse a sua própria, e assim que ficava sabendo de qualquer incidente, punha-se a olhar de forma reprovadora à infiel, e tratá-la com distância e frieza.
Jorge estava pronto a passar sozinho pela vida, sem jamais conhecer os encantos femininos, a calidez e a graça dos carinhos de uma mulher. Tudo pelo pavor que sentia de ser traído.
Acabou que conheceu Ludmilla. Não eram moços, nem ela nem ele quando se conheceram. Jorge foi reticente com ela como era com todas as mulheres, a quem julgava traidoras em potencial, não apenas por ela ser mulher, e não apenas por ser pouco-dotada em atrativos, mas também por que eram estranhos com gostos totalmente distintos um do outro. Ludmilla, no entanto, sentiu-se, sim, atraída por Jorge, até por sua postura séria e distinta.
Acabou que, a despeito da resistência de Jorge, Ludmilla pavimentou com insistência o caminho até as afeições de Jorge, que, mesmo desconfiadíssimo, acabou pensando que deveria tentar se relacionar, nem que fosse apenas por curiosidade mórbida. Supôs que Ludmilla poderia, sim, traí-lo de algum modo, mas estaria preparado.
Aconteceu, então, a última coisa que Jorge esperaria:
Ludmilla foi fiel. Muito fiel. Fidelíssima.
Jorge tinha certeza da fidelidade da esposa pois a paranóia que sentia em relação à traições era tamanha que ele dedicou-se, de fato, a espionar a namorada para ter certeza do comportamento dela. Jorge não sabia se Ludmilla não o traía por prezá-lo ou por não ser equipada para tanto, ainda assim, a sensação se segurança, a certeza de que não fora traído levaram Jorge, um sujeito tradicional, a dar o importante passo de pedir Ludmilla em casamento. Proposta que ela, prontamente aceitou.
Jorge e Ludmilla formaram um lar, uma família, e dividiram suas vidas. Ele, sempre desconfiado, volta e meia certificando-se a seu modo da fidelidade da esposa. Ela, medonha, e fiel como Jorge jamais imaginou que uma mulher poderia ser.
Foi já com três filhos criados que Jorge, uma noite, observando Ludmilla roncando feito uma usina hidrelétrica a seu lado, e tentando encontrar um vestígio que fosse de beleza na esposa, percebeu que era incapaz de encontrar qualquer coisa nela que o atraísse.
Qualquer vestígio de beleza, qualquer atrativo físico por tênue que fosse. Deu-se conta, então, que dedicara tudo o que tinha de melhor, todas as suas qualidades, sua vida, enfim, à uma pessoa por quem não sentia nada. Uma pessoa que jamais o atraiu de qualquer maneira. Com quem não tinha nada em comum.
Enquanto batia no travesseiro e deitava a cabeça, não pode deixar de imaginar como eram afortunadas as pessoas capazes de confiar em outrem. De se deixar levar. Não conseguiu conter uma fagulha de inveja daqueles que encontram alguém que os complementa, que os acalenta. E teve, por um instante antes de dormir, o arrependimento por jamais ter sido capaz de dar um salto de fé.

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