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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Fúria



Ódio.
Foi ódio o que sentiu o Firmino naquele dia de manhã. Uma raiva profunda, enraizada, submarina de tão profunda. Um ódio que deixou suas bochechas vermelhas e esquentou suas orelhas e o deixou de olhos ardendo até marejarem. Por um instante, Firmino sentiu os nós dos dedos brancos, e uma ira torpe que o cegou por um breve momento.
Tivesse sido bombardeado por raios gama em algum momento de sua vida, Firmino teria sentido suas roupas se rasgarem conforme seus músculos inchavam, seus ossos se estiravam, sua pele se tornava verde e ele sairia destruindo a cidade até que a fadiga o transformasse em uma pessoa de tamanho normal sem roupa em meio a escombros.
Por sorte Firmino jamais fora bombardeado por raios gama em sua vida. Ainda assim, ele chegou a pensar em apanhar o teclado do computador a sua frente e batê-lo com toda a força do mundo na mesa. Chegou a imaginar se a fúria que o tomou cessaria de imediato, enquanto as teclas com as letras ainda voavam pelo ar ou se ele bateria o teclado na mesa mais uma ou duas vezes.
Firmino também pensou que, na sua juventude, teria esbravejado. Teria gritado, esmurrado a mesa, talvez chutado a CPU do computador? Provavelmente. Alguns anos antes Firmino teria tido o que, hoje, ele chamava de chilique, e julgava que não ficava bem em ninguém, em especial em homens adultos.
Pro sorte Firmino amadurecera. Aprendera a aceitar que certas coisas fogem-lhe ao controle, e que não adianta fustigar móveis e objetos para descarregar sua frustração.
Firmino estava longe de ser um monge zen-budista, ainda era, vez que outra, dominado por certas emoções, mas aprendera a filtrar, se não o que sentia, o que deixava transparecer.
Por um breve instante, de maneira privada e contida, amaldiçoou a si mesmo. A própria falta de jeito, o próprio medo e a própria pressa. Esbravejou mentalmente contra a vida e pensou em meia dúzia de palavrões que poderiam fazer roteirista de pornochanchada dos anos setenta corar de vergonha.
Amaldiçoou a ela. As palavras dela, ao significado oculto que elas sugeriam e à interpretação que elas deixavam em aberto.
Sentiu sua cabeça esquentar como se fosse verão e estivesse calor. E então, respirou fundo e engoliu tudo aquilo.
Não era culpa dela. Era dele, e dele sozinho. Foram as falhas de Firmino que o levaram até onde estava, e ele que arcasse com as responsabilidades de seus atos. Não era capaz de odiá-la ou sentir raiva dela por mais do que uma fração de segundo. A amava demais pra isso.
Talvez tivesse úlcera, talvez acordasse uma manhã e se transformasse em um herdeiro de D-Fens Foster e surtasse, mas achava que nem uma coisa e nem outra. Por via das dúvidas, abriu a boca como quem grita sem emitir nenhum som, e esmurrou a mão direita com tanta força que a machucou. Melhor uma mão enfaixada por alguns dias que uma úlcera, afinal de contas.

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