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terça-feira, 18 de junho de 2013

A Calculadora


O Natanael tava parado em frente à vitrina da loja de eletrônicos encarando, com olhos ávidos, uma calculadora dourada e preta, daquelas científicas movidas a energia solar.
Não era a primeira vez que Natanael encarava a vitrina da loja de eletrônicos e observava, desejoso, a calculadora em negro e dourado a qual apelidou de Prince, em homenagem a um artista dos anos oitenta que também se chamou Prince durante algum tempo, e quando veio fazer shows no Brasil exigiu que toda a sua parafernália fosse negra e dourada.
Então, o Natanael, que nem sequer era particularmente fã de Prince, mas lembrava de minúcias sem sentido, apelidou a calculadora com o antigo nome do artista, e todo o dia dava uma paradinha, fazendo chuva ou sol, frio ou calor, pra mirar o aparelho.
Era uma HP, bonitona. Case preto de couro com tampa rígida, zíper e o logo do fabricante em dourado, ao abri-lo, deparava-se com o painel dourado aplicado sobre a caixa negra, e as teclas de borracha em preto, azul e vermelho, e acima de tudo o display alongado com espaço para tantos dígitos quantos fossem necessários, e o painel solar, que alimentava a bateria interna do aparelho, garantindo que não fossem necessárias pilhas de nenhuma espécie, tampouco aquelas baterias de relógio em forma de moedas que nós nunca sabemos onde comprar.
Oh, sim... O Natanael adorava aquela calculadora. Imaginava-se saindo da loja com ela protegida dentro de uma caixa de papelão minimalista... Talvez toda preta, apenas com o logo do fabricante em um cantinho, dentro um estojo de plástico... Não! De isopor. Um estojo de isopor, mas não branco, de isopor azul. Protegendo o engenho de eventuais impactos, impactos que não aconteceria, cuidadoso que Natanael seria, carregando a caixa enrolada na sacola da loja sob o braço. E chegaria em casa, abriria a caixa com cuidado, usando um estilete para cortar a fita adesiva da tampa, e então puxaria com delicadeza o estojo de isopor azul, e dele sacaria o aparelho, envolto em sua capa de couro negra... Abriria o zíper, respiração trancada, e de lá sacaria o aparelho...
Nem era capaz de imaginar-se apertando o botão de ligar da calculadora. Aliás, seria ligar? Ou seria "on"? Quem sabe "power", ou ela ficava em stand-by e tinha aquele símbolo com um círculo e um tracinho? E pra desligar? Seria dar outro toque no botão de ligar ou teria um botão separado? Onde leria-se "off"? Natanael passava horas pensando na calculadora.
Via o preço, estava em conta, era uma boa calculadora científica, valia os R$149,90. Ele chegou a ver mais barata na internet, até por R$119,90, mas Natanael não confiava particularmente em compras pela web, e além disso, parte da graça da coisa, ao menos pra ele, era ir à loja, ver a demonstração do vendedor, esperar o pacote ser fechado, sair da loja, embrulho nos braços, levar o equipamento pra casa... E não tinha nada disso na internet... Não. O Natanael pagaria de bom grado esses quarenta reais de diferença para poder fazer tudo conforme idealizara.
Passou pela loja de eletrônicos e parou em frente à vitrina. Observou a calculadora com um sorriso. "Amanhã.", disse para si mesmo. "Amanhã tu vai ser minha...", chegou a erguer a mão pra tocar na vidraça, mas conteve-se. Pôs as mãos no bolso e seguiu seu caminho, antevendo o dia seguinte.
Naquela noite quase não dormiu de excitação, pensando na sua compra. Quando acordou, pela manhã, saltou da cama com um sorriso no rosto ao pensar na calculadora... Vestiu-se, lavou-se, e saiu. Foi pensando se deveria comprar sua calculadora na ida para o trabalho ou na volta... Seria melhor comprar na volta. Poderia ir tranquilo pra casa e se aclimatar ao aparelho novo. Se o pegasse agora, pela manhã, não conseguiria concentrar-se no trabalho... Mas ao mesmo tempo, a excitação e o nervosismo de esperar até o final do expediente para presentear-se também o impediriam de se concentrar no trabalho. Resolveu ir à loja a caminho do serviço. Tentaria concentrar-se em suas funções e manter-se tranquilo com a calculadora do lado. Era difícil, mas mais provável do que tentar se concentrar contando os minutos para sair do serviço.
Chegou à loja e deparou-se com um videogame portátil no lugar onde sua calculadora estivera nas últimas semanas. Entrou no estabelecimento com um buraco no meio do estômago. Dirigiu-se à vendedora perguntando pelo aparelho da vitrine, calculadora científica HP, preta e dourada, case de couro, e talicoisa...
-Ah, sim... Pois é, foi vendida ontem, ainda.
Foi a resposta da desalmada. Sem nem um "veja bem", sem sequer oferecer um copo d'água. Vendida. Natanael perdera a sua calculadora por apenas algumas horas.
Sentiu seu mundo ruir um pouco. Pensou no que ia fazer, em como superar aquilo...
Mais estranho que o peso da calculadora e da sua consequente perda na vida de Natanael, era o fato de que Natanael não trabalhava com cálculo, nem estava estudando nada que envolvesse matemática. Natanael nem sequer queria aquela calculadora. Mas ele precisava dela. Precisava dela pois, à certa altura de sua vida, percebeu que perdera o que tinha de mais importante, e a forma que achou de lidar com isso, foi desejando coisas.
As vezes as coisas mais inúteis, e as mais absurdas, tudo desejos pretextos para preencher o espaço deixado pelo que importava de verdade, e que ele não possuía mais.

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