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terça-feira, 3 de maio de 2016

...A Colher


A Luísa morava no 405, vizinha de janela do Fábio, do 407. Era bonita a Luísa. Morena, olhos castanho-claros, miudinha e bem proporcionada. Era de Casca, no interior do estado, e tinha um pesado sotaque da região dos vales do norte do Rio Grande do Sul.
Fábio, nascido e criado em Porto Alegre, alto, parrudo, cabelos e olhos castanho-escuros tinha aparência mediana. Poderia ser bonito fosse mais cuidadoso com sua aparência. Não o era. Era a figura do desleixo com relação ao próprio visual, representante de uma rara linhagem de homens à moda antiga que acreditava apenas em higiene, e não em cosméticos.
Se fosse um transeunte qualquer, ou um dos muitos clientes que Luísa atendia na loja onde trabalhava, Fábio provavelmente passaria batido para a jovem Casquense.
Mas Luísa via Fábio dia após dia. Geralmente pela manhã, quando se encontravam casualmente na área de serviço, ela, pendurando a toalha que usara no banho matutino, ele apanhando os tênis que calçaria para ir trabalhar.
Ela, sempre adiantada mais de uma hora para o trabalho, ele, sempre no limiar de se atrasar alguns minutos.
Começaram apenas sorrindo um para o outro.
Timidamente.
O sorriso tímido escalou para sorrisos mais abertos. Os sorrisos abertos para bom-dias conservadores, e os bom dias para ois e pequenos dedos de prosa que começaram com meteorologia "e esse frio?", passaram a papo-furado de vizinho "nem me fala, tô com uma rinite horrível, nasci pra ser alérgica.", até reminiscências e anedotas familiares "Meu irmão é a pessoa mais alérgica que eu conheço. Tem alergia a tudo. Uma vez comeu uns bombons e ficou inchado feito um baiacu!".
Luísa, ás vezes, notava as camisetas de super-herói vestidas por Fábio.
Nomeava aqueles que reconhecia, Capitão-América, Superman, Homem-Aranha, e perguntava quem eram os que lhe eram desconhecidos, V, Quarteto Fantástico, Demolidor...
Trocavam palavras amigáveis na área de serviço todas as manhãs. Vez que outra uma careta solidária quando a chuva os fazia correr para recolher as roupas do varal no meio da noite. Uma felicitação numa data comemorativa como o natal, ou uma risada cúmplice quando o sexo barulhento do casal do 506 os fazia abrir a janela escandalizados ao mesmo tempo.
Fábio tinha trinta e poucos, Luísa vinte e um anos.
Fábio já havia reparado em Luísa, e chegado a pensar que, em outra situação, a teria convidado pra sair.
Ir ao cinema, jantar... Alguma coisa.
O problema é que Luísa era casada.
Aos vinte e um anos, era casada com Emerson, vinte e quatro, gringo alto e magro feito uma taquara, cabelo castanho-claro cortado rente à cabeça, olhos azuis-escuros muito juntos e nariz adunco que denunciava a origem italiana do natural de Marau.
Quando Luísa dissera ser casada, Fábio não conseguiu evitar a nota de pavor na voz, dizendo "Casada?", ao que a jovem confirmou com um sorriso terno.
Emerson era policial da brigada militar, a quem os gaúchos convencionam chamar de "brigadiano".
Emerson era um sujeito caladão. Cumprimentava Fábio com acenos de cabeça, muito sério. Inicialmente, Fábio achou que poderia ser ciúme por causa das conversas do vizinho com sua esposa. Percebeu que não era o caso.
Emerson parecia tímido e naturalmente sorumbático. A única vez que Fábio vira o vizinho sorrindo, fora dentro de uma viatura. Eram mais de onze da noite e o veículo oficial estava parado na frente do prédio, luzes acesas, repleto de policiais fardados dentro, entre eles, Emerson, que ria divertido conversando com os colegas.
Fábio não entendia o que Luísa vira em Emerson.
O policial era um homem feio, não parecia sujeito de muitas luzes intelectuais e, ainda ensimesmado, muito diferente de Luísa, com seu jeito expansivo de moça do interior querendo conhecer e saber um pouco mais de tudo.
Emerson devia ser um namorado de infância com quem ela trocara juras de amor eterno que, por milagre, acabaram se cumprindo.
Fábio olhava com com curiosidade quase acadêmica para os dois. Imaginando que cósmica combinação de fatores aleatórios formara aquele casal tão discrepante.
A primeira vez que ouviu, de fato, a voz de Emerson, foi numa madrugada de sexta para sábado, o ruído contínuo o fez baixar o volume da TV para tentar ouvir os dois discutindo do outro lado do poço que separava os blocos.
Emerson falava alto, uma voz tonitruante que Fábio não imaginava na boca do magrão quase mudo que vivia ao lado. Ele dizia a Luísa que, se ela não queria cuidar da casa, que arrumasse suas coisas e voltasse pra barra da saia da mãe.
Na verdade disse "Mamãe".
Fábio apiedou-se de Luísa. Era uma moça jovem. Trabalhadora e trabalhadeira. Poderia ter ficado, de fato, na barra da saia da mamãe e ter estudado, levado uma vida com menos perrengues, mas preferira se mudar pra capital para viver uma vida de casada ao lado de Emerson, e ele a tratava daquela forma?
Ameaçando fazer suas malas e jogá-las na rua às três da madrugada?
Tão subitamente quanto começara, a discussão terminou.
No dia seguinte, Fábio não viu Luísa na área de serviço.
Voltou a vê-la na segunda, quando ela o cumprimentou com um "oi" baixo e um sorriso triste que fez o coração de Fábio se estilhaçar.
Parecia envergonhada. Decerto que sabia que Fábio ouvira a altercação de duas noites antes, e parecia constrangida com a situação.
Fábio entendia.
Ele próprio ficara constrangido.
As coisas voltaram a normalidade na sequência, com Emerson voltando à invisibilidade e Luísa voltando a sorrir e conversar despreocupada na área de serviço, e eventualmente na entrada do condomínio. Por alguns meses tudo esteve na mais perfeita ordem, até que, em uma manhã de sábado, Fábio acordou novamente com gritos de Emerson.
Ele dizia que se Luísa não abrisse a porta do banheiro, a derrubaria.
À ameaça seguiu-se um estrondo seco, e então outro.
Fábio abriu as janelas fazendo alarido, tentando mostrar que o ruído era demasiado. Foi aquilo em que conseguiu pensar no calor do momento.
Mas dali pra frente, reinou o silêncio, e Fábio não soube se sua tentativa de constranger Emerson dera resultado.
Não viu Luísa naquele dia, mas flagrou-se pensando nela.
O que poderia fazer para ajudá-la?
Deveria meter a colher naquela briga entre marido e mulher?
Tinha óbvia vergonha de falar com ela sobre o assunto. Não queria parecer um vizinho enxerido. Pensou em fazer uma denúncia, mas adiantaria? Emerson era, afinal de contas, um policial, e a verdade é que, a despeito dos gritos e ameaças, Fábio jamais o vira ou ouvira agredir Luísa de fato, mesmo sendo vizinho de janela. Não queria demonizar um agente da lei por quem, a bem da verdade, tinha muito respeito.
Não conseguia imaginar o tamanho do estresse de um policial militar, mal pago e mal equipado para agir como barreira entre a sociedade e o crime.
Não era um detrator da polícia e tampouco achou que viveria para ver consumada a expressão "mulher de brigadiano" para se referir à esposas que gostavam de apanhar.
Questionava-se se adiantaria alguma coisa fazer uma denúncia sem uma agressão consumada? Mais do que isso, adiantaria fazer uma denúncia sem um flagrante? E Luísa confirmaria a agressão? Fábio era um rematado pragmático, um sujeito prático acima de todas as outras coisas. Não era capaz de entender porque uma guria bonita e nova ficaria ao lado de um cavalão que dava achaques e derrubava portas dentro de casa, mas sabia que, em muitas ocasiões, mulheres que vítimas de abuso doméstico tinham dificuldade em apontar seus agressores. Não era psicólogo nem nada, mas supunha que a jovem bonita do interior, sozinha com o marido na capital encaixar-se-ia no modelo de vítima que teria pudores em denunciar seu algoz.
Fábio pensou muito a respeito, pensou de verdade, mas não foi capaz de encontrar uma solução para a situação, e como Luísa e Emerson pareceram ter voltado às boas nos dias seguintes, também aquilo, como tudo na vida, acabou suplantado pelo dia a dia, e foi apenas semanas mais tarde, ao chegar em casa e encontrar a diarista, que Fábio voltou a pensar no assunto.
Dona Eugênia o recebera com o sorriso de sempre, anunciando, didática, todas as limpezas que havia feito e onde deixara cada uma das coisas que Fábio mantinha estrategicamente jogadas pela casa. Após receber o pagamento pela faxina, fez uma careta de reprovação e perguntou à boca pequena como quem alcovita, se Fábio conhecia a moça do lado. Ao que ele confirmou, dizendo tratar-se de Luísa.
Dona Eugênia, compadecida, narrou então uma discussão entre Luísa e Emerson, que culminara com o "cavalão" dando um tapa no rosto da menina.
Por alguma razão, Fábio sentiu sua boca se inundar de um sabor amargo.
Não soube explicar o porquê. Talvez fosse culpa. Vergonha da própria inação.
Mas garantiu a dona Eugênia que faria alguma coisa.
E fez.
Depois de flertar com a ideia de falar com Luísa, da qual foi demovido pela timidez, ligou para o disque-denúncia.
Ligação anônima, feita de um orelhão, coisa que fê-lo sentir-se como se traísse a longa linhagem de quadrinhos de super-heróis que lia desde antes de saber ler mas, ainda assim, pareceu o curso de ação mais correto e seguro.
Fábio ligou, disse que não gostaria de dar seu nome, mas que queria denunciar um caso de violência doméstica.
Deu o endereço, o número do apartamento vizinho, e narrou os episódios que testemunhara e mais a agressão testemunhada por dona Eugênia.
Dias se passaram sem que Fábio soubesse se alguma autoridade tomara providências com relação ao caso. Foi só então que deu-se conta de que jamais saberia se algo tivesse ocorrido a menos que Emerson fosse preso e olhe lá. Trabalhava fora quase o dia inteiro, via Luísa apenas brevemente pela manhã, se uma assistente social ou policial fosse ao apartamento e Luísa se recusasse a denunciar o marido, Fábio jamais saberia se sua tentativa de ajudar rendera algum fruto.
Duas semanas se passaram com os dias sendo contados pelas conversas de Fábio com Luísa junto à mureta da área de serviço sem que ele percebesse qualquer mudança na rotina dos vizinhos, até a segunda-feira em que chegou à área de serviço para apanhar os tênis e deparou-se com Luísa.
Ela sorriu pra ele:
-Deixa eu ver a de hoje.
Fábio sorriu e exibiu a camiseta do Batman que vestia. Cinza, morcego preto no meio do peito sem elipse amarela estilo Frank Miller.
-Esse eu conheço. - Sorriu Luísa. Já foi ver o filme novo?
Fábio confirmou que fora na estréia, como era seu hábito.
-Eu ainda não entendi por que o Super-Homem tá brigando com o Batman...
Enquanto Luísa falava, Emerson surgiu na cozinha, e deu dois tapas fortes no balcão de aço inox da pia.
Luísa sorriu amarelo, e se despediu com um tchau afônico.
Fábio se perguntou se aquilo era apenas ciúme do macho-alfa interiorano ou um indício de que sua denúncia fora levada adiante, ao menos até certo ponto. De que, conforme temera Fábio, Luísa não teve coragem de acusar o marido confirmando as agressões e feito a coisa toda havia se perder, deixando apenas a suspeita de Emerson de que o responsável pelo constrangimento era o vizinho do lado, sempre de olho em Luísa.
Não teve certeza.
Apanhou seus tênis como fazia sempre, sentou-se à mesa para calçá-los e, pela fresta entre as venezianas da sua janela, viu Emerson, no apartamento ao lado, empurrar Luísa para dentro da sala com violência.
Estavam os dois em silêncio, ela, de cabeça baixa, ele a olhando de cima. Ela virou-lhe as costas e deu um passo que a tirou do campo de visão de Fábio. Com apenas um dos pés calçados ele manquitolou até a janela quando Emerson a seguiu pra fora da fresta num movimento brusco que foi seguido por um baque.
Fábio abriu a janela, Emerson estava de pé no centro da sala, olhando pro chão. Aparentemente havia empurrado Luísa, que caíra.
Fábio via, na expressão de Emerson, que ele estava enfurecido. Tentava concatenar o que fazer. Chamar a polícia? Era isso? Ficaria de braços cruzados enquanto uma mulher era covardemente espancada a menos de dez metros de distância?
Não. Não fora o que aprendera na vida.
Calçou o outro tênis rapidamente e correu para o corredor do prédio, esmurrando a porta do apartamento vizinho.
Após segundos de silêncio, Emerson abriu.
Era mais alto que Fábio, o encarava com olhos injetados de ódio.
-Que tu quer? - Perguntou.
Fábio o ignorou. Procurou por Luísa atrás dele, a viu sentada no chão junto à parede da sala.
-Tudo bem contigo? - Quis saber.
Emerson o agarrou pela camisa na altura do ombro:
-O que é que tu quer?
Fábio deu um safanão com o braço, livrando-se da mão de Emerson.
-Deu pra ti, meu. Eu vou chamar a polícia. - Disse.
Chegou a procurar o celular no bolso da calça, mas deu-se conta de que, na pressa, deixara o aparelho em casa. Tudo bem. Eram poucos metros. Deu as costas a Emerson, que disse "Mas tu não vai, mesmo!", puxou Fábio pelo ombro, o colando de costas na parede como quem se prepara para algemar um suspeito, estavam dentro do apartamento, no pequeno hall que ligava a entrada à sala, o espaço era exíguo e Fábio não era nenhum raquítico. Jogou o peso do corpo pra trás, desvencilhando-se de Emerson. Olhou para Luísa, que chegava, tinha os olhos marejados:
-Emerson, pára com isso...
Emerson não parou, agarrou Fábio pelo pulso, e fez o movimento de uma torção. Fábio entendeu o que iria acontecer, e virou o corpo, dando as costas à Emerson e evitando a chave de braço. Deu um passo pra trás, braço erguido tentando abrir espaço entre si e seu agressor. Falou com Luísa:
-Eu vou pra casa e vou chamar a polícia. Eu acho que tu devia vir comigo. - Falou, respirando pesado. A adrenalina da situação e o esforço físico súbito aceleravam seu pulso.
Emerson riu:
-Cara de pau... Quer tirar minha mulher de dentro de casa, né?
Luísa falou novamente:
-Amor, pára... Não é isso.
Fábio surpreendeu-se que, em meio a tudo o que acontecia, ainda tenha encontrado disposição para sentir uma pontada de repulsa quando Luísa se referiu a Emerson como "amor".
Emerson, porém, não parecia amoroso. Olhou pra Luísa com faíscas nos olhos e bradou:
-Puta!
Luísa estremeceu, estacando onde estava. Fábio odiava gritos. Crescera em uma família de gente gritona, que achava que berros e achaques os faziam mais homens e resolviam qualquer situação. Fábio tinha ojeriza a gritos:
-Tá. Deu. - Disse, mantendo a voz baixa. -Luísa, vem comigo. Eu te levo na minha casa e a gente liga pra polícia...
Emerson o interrompeu desferindo um soco. Fábio se esquivou por milímetros, sentiu o deslocamento de ar do golpe na barba, e bateu com a cabeça na parede atrás de si ao pendular o tronco superior para trás. Colou na parede com um baque, a tempo de ver Emerson atacando de novo. Tinha os dentes rilhados, o cenho franzido e os punhos levantados, esmurrou de direita tentando o rosto, mas Fábio ergueu o braço, defendendo-se, o segundo golpe, de esquerda, o atingiu na altura das costelas, fazendo-o contorcer o rosto em uma careta.
Fábio respirou fundo. Emerson era um militar treinado, era poucos centímetros mais alto, mas Fábio era ao menos dez quilos mais pesado. Se fossem lutadores jamais partilhariam a mesma categoria.
Fábio resolveu usar isso em seu favor. Jogou o corpo pra frente, eliminando a distância entre os dois e acabando com a vantagem de alcance de Emerson, passou o braço esquerdo por sob a axila direita do policial e com a mão direita o pegou por trás da coxa esquerda como um amante querendo ser enlaçado pela perna da amada.
Não encontrou dificuldade para erguer Emerson do chão, enquanto o projetava pra trás pelo tronco. Emerson segurava a camisa de Fábio com tenacidade, e os dois caíram no chão com um estrondo quando a cabeça do primeiro atingiu o chão de parquê cor de mogno.
Fábio, por cima, colou o antebraço esquerdo no pescoço de Emerson, e o esmurrou com vontade com a mão direita, soco desferido ás cegas, que acertou o policial na maçã do rosto. Emerson segurou o pulso direito de Fábio com a mão esquerda enquanto, com a direita, agarrou sua garganta, estavam os dois ruborizados, fazendo ruídos de asfixia, quando um som de clique atraiu a atenção dos dois. Fábio ficou aliviado ao se deparar com Luísa segurando a pistola ponto quarenta de Emerson, engatilhada e apontada para onde estavam. Emerson ergueu os olhos e sua expressão era indefinida.
Luísa falou:
-Solta ele, Fábio.
Fábio tirou o peso do corpo do pescoço de Emerson jogando-se para trás e livrando-se da mão em seu pescoço. Emerson inspirou profundamente fazendo um ruído como um rosnado conforme a vermelhidão deixava seu rosto. Fábio levantou-se trôpego, apoiando-se na parede sentindo a ardência na laringe conforme tentava engolir a saliva. Quando falou, sua voz soou rouca:
-Eu vou ligar pra polícia...
Mas Luísa o deteve:
-Não. Não liga pra ninguém.
Fábio não entendeu. Olhou para Luísa com o que, acreditava, era uma expressão absolutamente confusa, que só piorou quando ele percebeu que ela apontava a arma pra ele, e não para Emerson.
-É sério? - Perguntou, ainda massageando o pescoço.
-Tu acha o que, Fábio? Que eu vou deixar meu marido por causa de uma briga? Que tu tá aqui pra me salvar?
Apontou com o queixo pra camiseta de Batman que o Fábio vestia:
-Vai pra casa. - Disse com desdém.
Fábio olhou para Emerson. Ele estava no chão. Chorando copiosamente como uma criança.
Luísa agachou-se ao lado dele, e soltando a pistola, começou a ajudá-lo a levantar.
Fábio, balançando a cabeça negativamente, saiu do apartamento, e andou os metros que o separavam de sua casa ainda massageando o pescoço. Dona Lydia, do 406, olhava pela janelinha da porta com curiosidade:
-Que foi tudo isso, Fabinho?
Fábio apenas balançou a cabeça. Entrou em casa, apanhou a carteira, as chaves e o telefone, e foi trabalhar.
Nas duas semanas seguintes, não viu Luísa na área de serviço nenhuma vez. Pouco ouviu dos vizinhos, também. Foi no terceiro sábado subsequente que ouviu a movimentação no apartamento ao lado e percebeu uma mudança.
Luísa e Emerson se foram. Fábio ouviu de dona Lydia que haviam se mudado para uma casa maior, num bairro mais afastado do Centro onde o aluguel era mais barato.
Mesmo semanas após a mudança, Fábio ainda se flagrava tentando entender o que levara Luísa a tomar o partido de Emerson.
Não esperava, francamente, que ela caísse em seus braços e que vivessem uma tórrida história de amor após o episódio, mas não entendia o que havia mantido a jovem bonita de Casca ao lado do marido abusivo de Marau. Senso de responsabilidade? Uma noção irreal de compromisso? Sentimento de culpa? Apenas hábito?
Fábio não sabia.
Olhou a camiseta do Homem-Aranha que vestia sentado no sofá da sala olhando para as venezianas fechadas do apartamento vizinho, e teve apenas uma certeza:
Algumas pessoas simplesmente não querem ser salvas.

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