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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Compras


Sueli saiu do serviço naquela terça-feira triste.
Aliás, ultimamente, andava triste quase o tempo todo. Apesar de ter uma vida acadêmica e profissional plena, Sueli sentia-se incompleta.
Faltava algo. E ela sabia o que era.
Era um amor.
Sueli estava sozinha há bastante tempo, mais de um ano. E não era por opção.
Ao menos não por opção consciente.
Sueli não era uma mulher bonita. Antes pelo contrário.
Era feia.
Tinha alguma semelhança com a atriz Nia Vardalos, mas era baixinha e contava com alguns quilos além do recomendável.
Se ser uma mulher de limitados atrativos físicos era complicado pra ela, que sonhava em encontrar seu príncipe encantado e ter uma vida a dois, não era essa a única razão para o insucesso afetivo da Sueli...
Talvez a condição mais preponderante para sua solidão, fosse um radar extremamente desregulado.
Explica-se:
Com seu passo desajeitado e cara de Nia Vardalos, Sueli tinha uma inabalável certeza de que, em alguma esquina, se depararia com um Brad Pitt que seria capaz de olhar para ela e ver sua extensa lista de predicados antes de seu exterior.
Essa ideia de que, por ser uma mulher inteligente e bem-sucedida, ela encontraria um homem ideal, igualmente bem-sucedido, inteligente, e ainda por cima atencioso, modesto e bonito, talvez fosse o grande entrave na vida pessoal de Sueli, que chegara a dispensar pretendentes perfeitamente aceitáveis por conta de sus exigência absolutamente fora da realidade.
Sueli queria um homem perfeito por mais que suas amigas dissessem que aquilo não existia. Sueli chegava a brigar com suas amigas teimando que encontraria o homem dos seus sonhos fazendo pouco dos conselhos que recebia em nome da certeza inabalável de que "O Cara" estava ali, em algum lugar, apenas esperando uma troca de olhares.
Mas naquela terça-feira, Sueli estava triste.
O Aristides, colega de trabalho divorciado na faixa dos quarenta, alto, cabelos bons, sorriso bonito, que se exercitava, comia direito e tinha hábitos de higiene extremamente rígidos e no qual Sueli investira alguns meses de papo e flerte assumira-se, em uma conversa na hora do cafezinho, estar "meio que namorando" a professora do filho, Pedrinho.
Sueli sorriu amarelo, dentes trincando, perguntando se aquilo não era errado, antiético, moralmente reprovável ou algo do tipo, mas quando Aristides respondeu com olhar perdido que "nada tão bom podia ser errado" e passou a mão no ombro da Sueli como quem emaranha o cabelo de um moleque ao se despedir, ela percebeu que aquela era uma batalha perdida.
Entretanto Sueli concatenou que poderia ter se saído melhor na contenda se estivesse se cuidando melhor.
O trabalho e o doutorado estavam consumindo todo o tempo de Sueli, que jamais fora de se exercitar muito, e, com a correria do dia a dia, vinha comendo muito e muito mal, algo que se refletia na balança, que reagia ao peso de Sueli como o velocímetro de um carro de corrida, e nas roupas, cada vez mais justas na região da barriga.
Era hora de dar um jeito naquilo.
Uma mulher inteligente e bem-resolvida como Sueli não podia se entregar aos desmandos de uma vida atribulada e ficar "toda trôncha" como dizia sua mãe.
Não.
Sueli enfrentaria a vida de faca entre os dentes. Afinaria sua silhueta e esfregaria um corpinho de vinte e poucos, ou trinta e poucos bem cuidados, vá lá, na cara de Aristides, aquele desavergonhado.
Começaria cuidando melhor de sua dieta.
Entrou no mercado decidida. Era terça-feira, bom dia de começar a dieta. Sem as pressões de uma segunda-feira, quando a geladeira pode estar repleta de sobras do final de semana.
Na terça, não.
Na terça a geladeira estava desabastecida, e Sueli estava mais do que disposta a colocar lá dentro uma quantidade modesta de alimentos, preferencialmente saudáveis e que não engordassem.
Passou pelos corredores contando calorias de tudo o que pegava na calculadora do celular, e, ao constatar que carregava consigo o suficiente para uma semana de refeições frugais, dirigiu-se ao caixa na certeza de que ali, começava um novo dia.
Ao chegar às registradoras, carregando o pesado cesto de compras, o rapaz à sua frente gentilmente acomodou seus itens de modo a abrir espaço para Sueli.
Ela agradeceu com um sorriso.
O homem, alto, magro, vestido de preto era atraente.
Os cabelos negros e lisos levemente desalinhados, os olhos de cílios grandes, tão grandes e em tanta quantidade que pareciam pintados. As sobrancelhas arqueadas que pareciam esmeradamente tiradas com pinça...
Vestia-se de preto, botas, calças e uma camiseta preta justa, sobre a qual usava um blazer de couro negro nitidamente envelhecido, e um cachecol de lá escura jogado sobre o pescoço como uma echarpe.
Ele correspondeu ao sorriso de agradecimento dela com uma piscadela cúmplice jogada de esguelha.
Ela quase pôde sentir o deslocamento de ar causado por suas longas pestanas.
Ele passou suas compras:
Uma garrafa de vinho tinto, uma lata de patê e uma caixa de bolachas salgadas. Sacou do bolso interno do blazer um pequeno maço de dinheiro bem organizado em um pegador prateado. Ao receber o troco, organizou o dinheiro novamente com cuidado, e tornou a guardar o maço. Percebeu que ela observava suas compras, e sorrindo marotamente, repetiu o gesto de maneira ostensiva, encarando as compras dela, e as listando em voz alta:
-Dois pacotes de alface-americana, um queijo de minas, um pacote de maçãs da Mônica, um iogurte light, um pacote de peito de frango sem pele temperado e congelado, uma Coca-Cola verde e duas águas minerais com gás, tomates-cereja, óleo de canola, meia-dúzia de ovos e cenouras anãs...
Olhou pra ela, que sorria inebriada com o curso dos acontecimentos.
Disse, entortando um sorriso pro lado:
-Tu és solteira, não?
Ela ergueu a sobrancelha, admirada, pensando como ele podia saber apenas olhando para as suas compras.
Confirmou:
-Sou... Como é que o senhor sabe?
Ele sorriu apanhando sua sacola de compras:
-Porque tu és muito feia.
E saiu.
Nos dias vindouros Sueli flertaria com a ideia de parar de se depilar e se transformar numa dessas militantes feminazis que bradam aos sete ventos contra a existência dos machos exceto como veículos de reprodução.
Viktor de SanMartin, o imensuravelmente cruel, atacara novamente.

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