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sábado, 24 de março de 2012

Ainda não...


O Larry vinha andando pela rua pensando na vida. Havia faltado à pelada da sexta-feira por várias razões, a principal delas é que queria ficar sozinho. Saiu andando pela rua, foi até o estádio Beira-Rio, depois voltou, subiu a Silveiro, passou perto de onde fora o antigo estádio dos Eucaliptos, passou por várias ruas que conhecia e por onde não andara a tempos. Eram raros os momentos em que Larry podia se entregar à introspecção, que, por sinal, era seu estado natural.
Larry pensou em muitas coisas, dos rumos que sua vida tomara à desculpa que daria pra não ir ao casamento de um amigo, e, claro, pensou em Rafaela. O romance entre Larry e Rafaela era dessas coisas que pareciam saídas de filmes água com açúcar ou de histórias românticas fora da realidade. O modo como um combinava com o outro, a forma como o tempo parava quando estavam juntos, a maneira com que Rafaela parecia ser o antídoto pra maioria das neuras de Larry... Tudo tão perfeito que parecia mentira.
Tão perfeito, e terminado de maneira tão abrupta. Tão sem sentido... E por inteira culpa de Larry. Talvez por isso os últimos tempos estivessem sendo tão difíceis, porque Larry, além de ter que lidar com a ausência de Rafaela, ainda tinha que lidar com a própria culpa. A culpa de ter colocado tudo a perder, de ter sido responsável pela própria tragédia, de ter se tornado uma das coisas que mais desprezara em sua vida inteira, e, acima de tudo isso, a culpa de ter feito Rafaela sofrer.
Enfim, Larry parou ao ouvir o ronco do próprio estômago. Nunca fora de comer direito, o Larry. Ao contrário, sempre comera muito mal. Pra ele, comer bem era não se engasgar. Mas desde a última vez em que falara com Rafaela, desde que soubera que, pra ela, ele não era mais senão algo a ser evitado, Larry não vinha conseguindo comer.
Ele também vinha tendo dificuldades pra dormir,e só encontrava um pouco de paz no trabalho, onde seu chefe o infernizava o suficiente para que ele não tivesse tempo de pensar em Rafaela.
Agora, ele sentiu seu estômago roncar, e aquela sensação de leveza no centro gravitacional. Não pôde deixar de achar graça da ironia de um sujeito do seu tamanho sentir os efeitos de alguns dias comendo mal, mas calculou que mesmo para um adulto de suas dimensões, um picles comido ao meio-dia era pouco.
Entrou em uma rua qualquer e foi até uma lanchonete. Apenas um dos lugares que lhe traziam boas memórias de Rafaela.
Haviam tantos... Lanchonetes, hotéis, cinemas, lojas... Tantos lugares onde ela e ele haviam partilhado algo... E eles haviam partilhado tanto. E de uma forma tão especial. Até uma pesquisa improvável no Google Larry partilhava com Rafaela. Ele lembrava de se imaginar sugerindo aos netos que fizessem aquela pesquisa pra ver a foto do avô e da avó relacionada àquele prepóstero.
Na verdade, o único lugar onde Larry não tinha as melhores lembranças de Rafaela, era em no aeroporto, pois jamais estivera lá indo encontrá-la, apenas indo se despedir.
Enfim, chegou em uma lanchonete qualquer, e ao entrar, entendeu o que Rick Blaine quis dizer com "Um sujeito em pé em uma plataforma na chuva com uma expressão cômica no rosto porque suas entranhas haviam sido chutadas pra fora.".
Ali estava Rafaela. Sentada em uma mesa. Conversando sorridente com um rapaz. Ah... O sorriso dela... Mesmo assim, porém, não foi suficiente para amainar-lhe a dor. Larry imaginou o quanto pareceu ridículo ao se virar maneando a cabeça como se houvesse se lembrado de algo e saindo apressadamente pela rua.
Se sentiu dormente. Estômago, lábios, olhos, mãos... Tudo dormente.
Sabia que não tinha o direito de se sentir mal, que não tinha direito a sentir injúria ou revolta. Que provavelmente ela sentira aquela mesma coisa semanas antes, e que ele fora o responsável.
Ainda assim, não conseguiu evitar.
Tentou se convencer de que era o momento de ser adulto. De que era o momento de mostrar maturidade e de se sentir feliz por ela. Ela que merecia tanto ser feliz. Achou que era a hora de dar adeus...
Mas não conseguiu. Mesmo tendo a sensação de ter entendido o significado da expressão "morrer um pouco por dentro", não podia dizer "adeus".
Não quando haviam coisas maiores e mais importantes que ainda não haviam sido ditas.

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