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quarta-feira, 14 de março de 2012

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O Licurgo entrou na casa do Manoel, jogou a mochila no chão, e se jogou no sofá. Nelson estava sem camisa, jogado em uma poltrona sob o ventilador de teto jogando video-game. Licurgo saudou:
-E aí?
-Buenas? - Respondeu Manoel, sem tirar os olhos da tela.
-Vai-se indo.
-Arram.
Ficaram em silêncio. Na tela um grupo de guerreiros enfrentava um animal que lembrava vagamente um dragão.
-Que porra é essa que tu tá jogando, velho? - Perguntou o Licurgo.
-RPG de computador. Path of Righteous. - Respondeu Manoel, ainda de olhos crivados na tela. - E o esquema lá? Com a mina?
-Fodi tudo. - Respondeu de pronto Licurgo.
-Esse é o Licurgo que eu conheço e amo... - Replicou Manoel, sem alterar o tom de voz.
-É... Esse sou eu... - Disse Licurgo.
-E aí? - Quis saber Manoel.
-E aí o quê?
-E aí, o que tu vai fazer?
-O que te leva a supôr que eu vou fazer alguma coisa?
-O fato de eu te conhecer.
Licurgo deixou o ar escapar por entre os lábios entreabertos:
-O que tu não sabe sobre mim enche o Fortaleza, velhinho.
-Quié isso?
-O maior cânion do Rio Grande do Sul, velho... - Suspirou Licurgo mexendo na mochila.
-Ah.
Novo silêncio. Licurgo largou um par de jogos do lado do Manoel.
-Que jogos são esses?
-Hã... Skyrim e Uncharted.
-Porque tu não me trouxe os dois Uncharted que eu tinha pedido?
-Porque não. Se tu não quer o Skyrim eu levo de volta.
-Não, não, eu quero.
Mais silêncio. Licurgo falou:
-E no mais?
-Na mesma. Tranquilo. - Respondeu Manoel.
-Eu não sei se eu ia conseguir me aposentar aos trinta e cinco, velho. - Declarou Licurgo olhando os pratos sujos e os papéis de doce em volta da cadeira de Manoel.
-Ah, tu se acostuma. - Declarou o amigo, fazendo uma careta enquanto controlava oito personagens na tela. - Quer ver o jogo aqui?
-Uh... Não. Vou ver em casa. Comprei Soda Limonada.
-Não comprou Fanta? Que milagre. - Inquiriu Manoel.
-Pra tu ver.
Licurgo se levantou apanhando a mochila. Uma foto de Manoel e sua esposa adornava uma cômoda próxima ao chiqueiro particular do amigo. Licurgo suspirou ao ver Manoel e Clarice de ombros e rostos colados dando sorrisos pra câmera.
Manoel pausou o jogo, se levantou e abraçou Licurgo fraternalmente.
-Eu sei que é uma merda, velho.
Licurgo abriu bem os olhos e encarou o teto. Sempre fazia isso quando achava que podia chorar. Mas não deu:
-É uma merda, mesmo, meu. É foda.
-Eu sei. - Disse Manoel.
Licurgo se desvencilhou do abraço do amigo e sentou novamente no sofá segurando o rosto entre as mãos. Manoel sentou ao seu lado e lhe deu um tapa nas costas.
-Desabafa.
Licurgo ficou em silêncio um instante, mas se ergueu.
-Não. Obrigado, mas não. - Disse enquanto respirava fundo e limpava o nariz. Manoel o olhou com uma expressão séria:
-Tu sabe que... O modo como tu administra a tua vida não é da minha conta mas... Dá margem a muita merda. Quanto tempo tu-
-O tempo que precisar, parceiro. - Interrompeu Licurgo.
-Quanto foi na outra vez? - Quis saber Manoel.
-Seis anos. Oito anos dependendo do ponto de vista. - Rebateu
Licurgo.
-E valeu a pena? - Quis saber o amigo.
-Não. - Respondeu o Licurgo.
-E então?
-Dessa vez é diferente. Eu disse que não iria a parte alguma, e adivinhe?
Manoel deu de ombros.
-Eu sou um homem de palavra e não há monge budista mais paciente do que eu.

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