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sexta-feira, 9 de março de 2012

Pra esquecer... Ou não.


Há coisas nessa vida que a gente não consegue esquecer. Uma vez, quando eu era piá, estava saindo de um mercadinho e um cachorro, desses pequenininhos, tipo chihuahua, latiu pra mim, e eu, assustado, corri pra dentro do mercadinho com meu gibi do Homem-Aranha e meu Chicabon. Tinha uma fila no orelhão (É, pra tu ver como eu sou velho, quando eu era criança, telefone em casa era raridade, e celular era coisa do Dick Tracy.), e todo mundo começou a rir de mim. Foi um dos momentos mais humilhantes da minha vida. Me lembro que tinha um sujeito na fila, e ele pareceu mais... Não sei. Mais acessível do que o resto do pessoal Ele parou de rir antes dos outros, e eu, sei lá, naquela minha situação tão terrível pro meu universo de oito anos, procurei o olhar dele como quem busca um abrigo. Um pouco de cumplicidade ou compreensão. Qualquer coisa que me afastasse da tragédia social que aquela risada coletiva pareceu pra mim naquele momento.
Mas não, ele balançou a cabeça negativamente e deu mais uma risada. Deixando claro que não. Não havia abrigo, cumplicidade ou compreensão naquela fila, e que eu deveria remoer aquele susto e aquela humilhação sozinho no travesseiro durante aquela madrugada.
É engraçado o tipo de coisa que a gente guarda, e a riqueza de detalhes. Eu me lembro do meu blusão azul marinho com uns cubos colordos na frente. Da calça de abrigo cinza e dos tênis All Star azul escuro. Lembro do picolé, e da capa do gibi, um Homem-Aranha número setenta e sete em que três quadros mostravam o Aranha ajeitando o seu equipamento ao lado de uma imagem do herói em pé, em uma posição meio ameaçadora. Lembro do cara que me negou compreensão, e do seu blusão branco e do seu cabelo com mullet, que naquela época todo mundo usava mullets... E eu me lembro de que, várias vezes, ao longo dos anos seguintes, eu me senti mal ao lembrar daquela noite. Como se, cada vez que eu me lembrasse, eu sentisse novamente aquela humilhação, aquele embaraçamento quando todos riam de mim.
Não sei o peso que aquele susto e a consequente humilhação daquela noite teve impacto sobre a minha personalidade como adulto. O quanto ser destemido se tornou importante pra mim por conta dos medos e das humilhações infantis. Realmente não sei.
Mas sei que tem coisas que eu simplesmente não soube esquecer, mesmo que quisesse. Essa foi uma delas.
E tem outras tantas, que eu não conseguiria equecer mesmo se quisesse, uma categoria onde se encaixam algumas poucas coisas... Alguns sabores, odores, pessoas e histórias.
Eu não tenho todas as respostas. Eu não consigo agir sempre com a frieza que a coisa certa exige. Eu tento ser o melhor possível, e faço isso na certeza de que não vai ser o suficiente. Faço o possível sabendo que, em algum momento, alguém vai se magoar, e infelizmente não serei só eu. E tento arcar com as consequências. Outra coisa que nem sempre é possível.
Mas tem coisas que eu não consigo esquecer. Nem fingir que não aconteceram. Eu mantenho comigo. Sempre comigo. Não importa o quê.

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