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terça-feira, 13 de março de 2012

Amigo Belicoso


-É o caralho! - Disse o Everaldo sentado na mesa do bar, ao lado de um sorridente Paulo Roberto e de um boquiaberto Geferson.
O Geferson, com "G", mesmo, e sem acento, era colega de trabalho do Paulo Roberto, e já ouvira falar do Everaldo, antes, mas achava que o Paulo Roberto exagerava. Não acreditava que o Everaldo fosse de verdade. Aconteceu que o Paulo Roberto, chamado Paulo Roberto em homenagem ao maior jogador de futebol a flanar pelos campos do Rio Grande do Sul, Paulo Roberto Falcão, e colorado até a medula, tinha discussões recorrentes sobre futebol com o Geferson, gremista crescido nos anos noventa, quando o time da Azenha viveu o ponto alto dos seus anos de glória.
O Paulo Roberto, cansado de discutir com o Geferson, encontrou a proverbial gota d'água quando o colega lhe disse que a torcida gremista jamais fora racista. E, quando interpelado por Paulo Roberto a respeito dos cantos de "macaco" direcionado pela torcida tricolor aos colorados, rebateu dizendo que tais cantos faziam referência ao fato de que a torcida do Inter imitava as iniciativas da torcida gremista.
Eis que entrou na equação Everaldo, torcedor gremista, ao menos na teoria, e filho de um pai tão fanático que o batizou homenageando ao lateral-esquerdo gremista que jogou na Seleção Brasileira de 70, e amante de histórias sombrias e de alcova.
Paulo Roberto, que achava exaustivas essas discussões futebolísticas, especialmente com fanáticos como Geferson encerrou a discussão, e, casualmente, o convidou para tomar um chope depois do trabalho. Lá, após apresentar Geferson ao Everaldo, e pedir as bebidas, Paulo Roberto, ardilosamente, levantou novamente o assunto do apelido de macaco da torcida colorada, e assim que Geferson falou, novamente, da tese das imitações, surgiu, em alto e bom som, o "é o caralho", lá do início.
-Todo mundo sabe, rapaz, que o grito de "macaco" tem cunho racista, não admitir isso é hipocrisia ou ignorância. O Inter abriu as portas do clube aos negros primeiro, buscando jogadores na antiga Liga da Canela Preta, pois negros não podiam jogar futebol com brancos, então tinham uma liga só sua. Claro, o Inter levou mais tempo pra abrir as portas do clube aos negros do que alguns clubes do centro do país, mas fez isso antes do Grêmio, que era um clube elitista comandado por alemães irredutíveis, que, diga-se de passagem, permanecem no comando do clube através dos seus descendentes e são responsáveis por muito dos infortúnios dese time.
O Geferson, engoliu em seco, olhou pro Paulo Roberto, que sorria sardônicamente, e perguntou ao colega:
-Ele é colorado?
-Colorado é a puta que te pariu, seu peidão! - Gritou Everaldo. -Eu sou gremista, mas ao contrário de ti, com essa cara de quem caiu da mudança, não nasci em 95, rapaz. Eu conheço a história do meu clube e do futebol, já pra saber o que há de errado.
-Argumenta, argumenta... - Encorajou Paulo Roberto, maquiavélico.
Geferson titubeou, mas respirou fundo e começou:
-Mas eu sabia que o troço aí do "macaco" era por causa da imitação...
-Que imitação, o quê, criatura? Tu não conhece o... O... Como é o nome do cara aquele, Pê Erre? Que foi rei Momo de Porto Alegre duzentos anos?
-Vicente Rao. - Acudiu Paulo Roberto.
-Isso, porra, Ricente Vao, o cara era do carnaval, e foi quem iniciou esse jeito de torcer com batuques, foguetório, cantos na arquibancada e o caralho a quatro. Claro, hoje em dia as torcidas do Brasil e da américa do Sul inteira imitam umas às outras, mas esse jeito de torcer do Rao e da torcida do Inter foram copiados por várias torcidas, inclusive a do grêmio.
-O que resultou na legendária faixa "Imitando Crioulo, hein?" em 1945, época do Rolo Compressor, que, por sinal, foi ele quem batizou. - Complementou Paulo Roberto.
Geferson bebeu um gole do seu chope. Estava vermelho, provavelmente de raiva:
-Bom, isso não importa. Eu continuo sendo gremista e não sou racista. - Sentenciou.
-Nem eu, ô palhaço filho de uma puta, mas esse papo de imitação é coisa de cagões de merda hipócritas feito o Odone, o Guerreiro e os outros politiqueiros filhos de um zorrilho que comandam o clube a décadas. Nunca vão chegar perto de um Fábio Koff... - Replicou Everaldo.
-Nem do Fernando Carvalho... Do Vitório Píffero, do Hermann, do Balvé... - Falou Paulo Roberto, casualmente.
-Cala a boca, Pê Erre, não fode.
Geferson não disse mais nada, terminou seu chope, largou uma nota de cinco em cima da mesa, e se despediu dizendo "até amanhã" pro Paulo Roberto, e "satisfação" pro Everaldo.
Quando Geferson saiu, Paulo Roberto deitou a cabeça na mesa, rindo, então se ergueu e olhou pro Everaldo:
-Cara, eu queria ter metade da disposição que tu tem pra discutir e contradizer todo mundo. Eu acho isso tão exaustivo, mas pra ti sai ao natural!
-Pois é, Pê Erre. Isso é uma forma de arte. Eu te diria que um dia tu chega lá, mas pelo formato da tua cabeça, eu acho que tu não tem o perfil pra isso.
-Everaldo, a frenologia foi considerada pseudo-ciência lá no século dezenove...
-Não, peraí, caralho, vamos falar melhor sobre isso, ô, garçom, traz mais um chope e uma coca, aqui, e gelado, hein ô, filho da puta...
Paulo Roberto não disse nada, sabia que não dissuadiria o amigo de sua defesa à frenologia, nem queria, sabia das vantagens de ter um amigo de verdade belicoso como Everaldo.

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