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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Bobagem.


É bem verdade que o homem não entende a alma feminina, isso se dá por sua complexidade. A mulher tem camadas demais, particularidades demais, funciona em dezenas de níveis paralelos ao mesmo tempo, é capaz de ser multi-tarefa, ninguém consegue imaginar um homem passando roupa, vestindo os filhos, falando ao telefone, preparando café da manhã e se vestindo pra trabalhar ao mesmo tempo, enquanto uma mulher é capaz de fazer todas essas coisas e ainda estar de olho na previsão do tempo e avisar o marido que tem que trazer leite na volta.
A mulher é ininteligível ao homem por que possui uma personalidade demasiado profunda, a mulher tem humores e sabores que variam o tempo inteiro, e por vezes, de forma caótica.
Mas o inverso não é menos verdade. A mulher não entende o homem. Pelo motivo oposto.
Como a Dora. A Dora estava aflita.
Já fazia alguns dias que ela tinha uma má impressão de como estava seu namoro com o Patrique. Desde a quinta á noite, quando ele foi buscá-la na faculdade após a aula, ela achou ele meio calado, meio abatido.
-Oi, amor. Tudo bem?
-Tudo... E tu?
-Tô ótima. Por que essa carinha?
-Nada, não. Bobagem. Quer comer?
-Não, já jantei. Mas se tu quiser eu vou contigo, tu tá com fome?
-Não, não... Não precisa. Tô meio cansado, tenho que acordar cedo amanhã. Te deixo em casa.
Foram em silêncio a maior parte do tempo. Dora tentou puxar assunto, mas Patrique respondia unicamente com monossílabos. Parecia abatido. Ela achou que ele podia estar apenas cansado, mas ficou com uma proverbial pulga atrás da orelha.
Dora era uma moça bonita, inteligente, e independente. Trabalhava, estudava, era dona do próprio nariz. Havia passado um longo tempo sozinha após uma final de namoro traumático quase cinco anos antes, achou que jamais amaria de novo, exagerada que era no tocante a coisas do coração. Até que Patrique surgiu. Patrique, com sua cara de cachorro que caiu da mudança imediatamente cativou Dora, e ela aceitou suas investidas assim que elas ocorreram. Namoravam fazia quase um ano, e ela jamais vira ele daquela forma. Enfim, esperava que na sexta as coisas fossem melhorar, se fosse, afinal, apenas cansaço como ele havia dito, a iminência do fim de semana haveria de curá-lo.
Entretanto, quando Dora encontrou Patrique na sexta-feira á tardinha, ele não estava cabisbaixo como estivera na noite anterior, parecia irritadiço, mal-humorado, e distante.
Durante o jantar, sugestão de Dora, para tentar melhorar o ânimo do amado, recebia menssagens de texto no telefone o tempo todo, e bufava feito um boi emburrado ao ler cada uma delas.
Dora á certa altura, precisou perguntar:
-O que houve?
-Nada. Meus amigos.
-Se são teus amigos por que tu fica bravo?
-Não tô bravo.
Ele respondeu visivelmente bravo enquanto desligava o celular.
Dora não tocou mais no assunto, e o resto da noite transcorreu em silêncio, com Patrique emburrado e distante. No caminho pra casa, Dora novamente tentou conversar, perguntando o que fariam no final de semana, mas ele não tinha ideias, e disse que ela escolhesse algo pra fazerem.
Ela teve certeza de que havia outra mulher na jogada. Não se daria ao papelão de vistoriar o celular do namorado, mas por certo sentiu-se curiosa.
Quem poderia ser?
Alguma piranha do trabalho dele? Alguma ex-namorada daquelas sobre as quais ele jamais falava? Alguma aventura em um rendez-vous com os amigos que tomava proporções de atração fatal? Ela deeria comprar um coelho para encontrar dentro de uma panela mais tarde? Bem, se havia outra mulher, não tomaria o namorado de Dora sem luta.
Ao chegarem em casa, Dora imediatamente foi para o banheiro. Tomou um banho caprichado, se perfumou, e vestiu uma lingerie daquelas que ficam em uma caixa de vidro sob um martelo e a inscrição "Em caso de emergência quebre o vidro".
Ao sair do banheiro, exalando Violetta di Parma, Dora estava disposta á fazer coisas que deixariam sua avó de cabelos em pé. Por mais que Patrique tivesse outra, e, se ela descobrisse que era o caso, daria-lhe um merecido chute nos fundilhos, antes disso daria ao cretino uma amostra de tudo o que ele perderia.
Chegou no quarto lânguida como uma corsa, e subiu na cama quase ronronando.
Patrique estava jogado na cama, de bruços, usando uma medonha samba-canção xadrez de azul e branco.
Dora passou a unha suavemente pela coluna de Patrique, da altura das omoplatas até próximo do cóccix, e suspirou em sua nuca com o hálito de menta. Ele se virou rapidamente, dando-lhe um beijo sem graça nos lábios.
-Hoje não, tá? Tô podre.
Virou-se novamente e pôs-se á dormir.
Dora foi ao banheiro, vestiu seu pijama normal, e chorou. Chorou de raiva de Patrique, o imbecil, chorou de raiva da suposta piranha que intrometera-se em sua felicidade, e de raiva de si mesma por lamentar a perda daquele imbecil.
No outro dia de manhã, Patrique e Dora tiveram uma conversa séria, e, entre lágrimas, ela disse á ele que sabia de tudo. Quando ele perguntou "Tudo o quê?" ela se enfureceu, e a conversa se transformou em uma discussão, e a discussão em briga.
Briga essa que culminou em Patrique, deixando a casa de Dora com uma sacola recheada com seus pertences.
Ao chegar em casa e largar suas coisas perto do guarda-roupa ele sentou e pensou consigo mesmo que aquela semana terminara muito mal. Nem os maus resultados do Grêmio, na zona do rebaixamento, e a classificação do Inter à final da Libertadores, que o tinham deixado de péssimo humor desde quinta-feira, o deixaram tão chateado quanto o final do namoro com a Dora. Enfim, domingo tinha Grêmio e Fluminense, e ele afogaria as lágrimas lá.
Se alguém dissesse à Dora que Patrique não tinha outra mulher, e que seu distanciamento e seu mal-humor e cansaço eram apenas efeitos colaterais do mal momento do time do coração combinados aos triunfos do rival e às gozações dos amigos, ela não acreditaria. Por que era incapaz de entender a alma masculina.
Pois ao contrário das mulheres, os homens são simples. Não temos camadas, e nossas aflições são profundas, mas fugazes, pois nos afligimos com bobagens e não sabemos gerenciar tarefas múltiplas.
Talvez por isso, á despeito das Doras e Patriques do mundo, homens e mulheres não se entendam, mas sejam feitos um para o outro.

4 comentários:

  1. Você deve ta certo, porque assim como a Dora eu não entendi bulhufas as razões de Patrique! Simplesmente ele devia ter explicado o lance do futebol pra ela oras ! Apesar que ela iria continuar achando que tinha rabo de saia na jogada vai ...deixa pra lá rs
    E um salve á Victoria Secret que (quase) sempre resolve as situações de emergência !

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  2. Ahahahahah, pois é, o que posso dizer? Homens são rasos como um pires em certas questões.
    Querer buscar significados ocultos em sentimentos masculinos é como procurar chifre em cabeça de cavalo.

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  3. Peraí... cavalos não tem chifres?

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