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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Surto



-Pro raio que parta essa porcaria toda!
Foi o que gritou Gregori, a plenos pulmões, sentado na mesma mesa onde estivera sentado nos últimos dez anos, dentro do cubículo onde ficava isolado dos colegas com um computador com acesso restrito à internet pelos últimos dez anos. Ele se levantou, enfurecido, arrancando o teclado do suporte articulado, e golpeando com fúria o monitor de LCD.
Gregori andou até Berenice, que trabalhava no cubículo ao lado, com passos decididos e agarrou-a pelos cabelos erguendo-a enquanto a beijava com sofreguidão e apertava-lhe as nádegas com mãos ansiosas e famintas arrancando gritos e gargalhadas dos colegas.
Quando Sérgio, o gerente, se aproximou furioso perguntando o que estava acontecendo, Gregori soltou Berenice, que caiu sentada no chão, e segurou Sérgio pelo colarinho, o empurrou até a parede, e tentou socá-lo.
Sérgio, porém, era mais alto e mais forte do que Gregori, e começou a gritar pela segurança enquanto se protegia dos golpes.
Gregori segurou, então, os pulsos de Sérgio, e o mordeu no nariz, arrancando-lhe um naco de pele e fazendo jorrar sangue.
Sérgio deu um grito agudo e caiu no chão, sendo amparado por outros funcionários, atônitos.
Os seguranças chegaram, viram o pandemônio instaurado e sacaram seus cassetetes.
Olharam para Gregori, avaliando-o, escolhendo que rumo de ação tomar.
Gregori, com uma expressão furiosa no rosto sujo do sangue de Sérgio, apanhou um grampeador em uma mesa próxima, e agarrou dona Zorayde, a senhora que servia o café e estava encolhida junto à uma parede próxima.
-Cheguem mais perto e essa vaca come grampo, putinhas!
Pois é... Ninguém entendeu por que Gregori usara uma fala de filme americano, mas enfim, os seguranças entenderam o recado, se afastaram dois passos, erguendo as mãos como que pedindo calma ao colega ensandecido.
Gregori ordenou que eles abrissem caminho, ao que eles obedeceram, e foi andando, com o grampeador junto ao pescoço de dona Zorayde, em direção à saída.
-Se me seguirem eu mato ela, entenderam? Mato!
Ninguém o seguiu, talvez porque não se perguntaram como é que se mata alguém com um grampeador.
Gregori chegou ao elevador, ficou ali, ameaçando dona Zorayde com o grampeador, as pessoas saíam das outras salas e o olhavam curiosas ou apavoradas ou ambos.
Ouviu o "ping" que indicava a abertura das portas, e entrou de costas no elevador, soltando dona Zorayde antes.
Gargalhou quando as portas se fechavam.
Virou-se e percebeu que a ascensorista, Silvana, e mais dois sujeitos de gravata o olhavam com olhos esbugalhados.
Deu um grito primevo enquanto agarrava os dois pelas gravatas e os estrangulava. Ao mesmo tempo, com o pé, prensou a cabeça de Silvana contra o painel do elevador. As calças sociais que usava, porém, não garantiam a mobilidade necessária para aquela manobra, e Gregori se desequilibrou, a única coisa que impediu sua queda foi a porta do elevador, mas apenas por breves segundos.
No andar abaixo a porta do elevador se abriu, e Gregori caiu pela porta afora, estabacando-se violentamente no chão, para só então soltar as gravatas que segurava com fúria.
Levantou-se com dificuldade, dois sujeitos vieram ampará-lo, mas Gregori não queria ajuda, desvencilhou-se dos dois com um movimento amplo, e correu para dentro de um escritório, lá, esmurrou no queixo uma velha de tailleur, deu uma voadora no peito do homem da limpeza, e roubou sua vassoura.
Usou a vassoura para tentar quebrar o vidro de uma janela enquanto gritava "Eu estou louco feito o diabo e não vou tolerar mais nada!", é, Gregori devia ver muitos filmes.
Não conseguiu quebrar a janela, de qualquer forma, era uma vassoura de alumínio contra uma janela de vidro temperado.
Os seguranças chegaram, Sérgio, banhado no sangue que escorria abundantemente de seu nariz, também, e Berenice.
Pararam a pouco mais de um metro de Gregori quando ele se virou brandindo a vassoura como se fosse uma alabarda.
-Sai! Sai, que senão vai ter! - Ameaçou ele, sem especificar muito bem o que ia ter.
-Calma, amigão -Disseram os seguranças.
-Qual o problema, Gregori? - Perguntou Sérgio.
-Eu te amo - Declarou Berenice.
Um dos seguranças, agindo rápido, agarrou a vassoura, enquanto os outros dois correram e derrubaram Gregori contendo-o no chão.
Tiveram que algemá-lo e enrolar seus tornozelos com fita durex para que ele parasse de chutar, chamaram a polícia, que, precebendo o estado de nervos de Gregori, chamaram uma ambulância. Ele foi retirado do prédio sedado e amarrado à uma maca, não recebeu visitas de ninguém do trabalho, exceto de Berenice, que, aos 43 anos de idade e solteira, já estava toda animada com a ideia de casar com o Gregori, mesmo que o "relacionamento" com o colega tivesse surgido de um colapso nervoso.
Ninguém soube o motivo do acesso de Gregori, teve quem apostasse que havia sido por causa de um coração partido, houve quem arriscasse em uma condição psicológica pré-existente, e até quem achou que era "endemoninhamento", mas estavam todos errados, e também um pouco certos.
Na verdade, Gregori foi acometido por uma combinação de males. Ele estava estagnado em um emprego que odiava havia mais de uma década, encontrara mulheres ideais várias vezes ao longo da vida, mas jamais fora o homem ideal de nenhuma delas, vivia sob a pressão de ser educado, bem sucedido e másculo como vivem todos os homens modernos, e de ser vítima de um sistema onde estava na base da pirâmide, o que significava ser explorado por gente desde o Sérgio, seu chefe, até os políticos que comandavam o país.
Foi a súbita compreensão de que essa situação não iria mudar, e de saber que ele não podia fazer nada, que levou Gregori a enlouquecer. Foi perceber que ele é, sim, o maior responsável pela própria situação e pelo status quo que mantém, entra ano, sai ano, sua vida estagnada.
Gregori surtou ao assumir responsabilidade pela própria tragédia. Em outubro tem eleições. Não seja como o Gregori, assuma sua responsabilidade antes do surto.

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