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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Satisfação


Há quem diga que a vida é uma eterna guerra dos sexos. Tolice rematada, claro. Guerra requer dois em pé de igualdade, e, na luta entre os sexos, os homens têm que comer muito arroz com feijão pra chegar perto do poderio feminino.
Claro, eu admito, os homens, na maior parte dos casos, são fisicamente mais aptos para a violência, os homens são brutos e sanguíneos, as mulheres são doces e comedidas, mas a verdade é que as mulheres lutam em frentes que os representantes do sexo masculino são incapazes de compreender pois, mesmo na guerra, pra tudo há limite.
Os homens convivem com essa falsa sensação de domínio global por que as mulheres deixam, no final das contas, todas as mulheres são capazes de apertar o botão vermelho e arrasar o seu alvo.
Basta o deslize ou a afronta correta, e todas elas estarão prontas para colocar de lado a doçura e a delicadeza em nome da completa aniquilação do inimigo.
Foi o caso da Sandrinha, uma moça bonita, delicada, pequenininha, que durante quatro meses foi cortejada pelo Paulão. O Paulão era, na falta de palavra melhor, o garanhão da repartição.
Trabalhava a pouco mais de um ano na empresa e, nas suas próprias palavras, passara o rodo no setor de RH e no de telefonia. As recepcionistas, ele conhecia, no sentido bíblico, menos de uma semana depois de ser admitido. também estivera rapidamente envolvido com uma das contadoras e, dizia-se, até com uma das diretoras.
Era bonito, o Paulão, expansivo, era alto e forte, tinha cabelos negros ondulados e uma tez morena que lhe conferiam uma aparência de amante latino que flutuava entre o atraente e o brega, mas fazia sucesso com as mulheres.
Exceto com a Sandrinha. A Sandrinha, que trabalhava no setor de vendas, onde era a única mulher, e que já havia tido sua cota de homens errados e decidira sossegar por um tempo enquanto esperava que o homem certo aparecesse, ignorava solenemente Paulão e seu aspecto de jovem Sidney Magal.
Não importava quantas vezes o Paulão se debruçasse charmosamente sobre a sua mesa perguntando se estava tudo bem com ela, não importava quantas trufas de cereja com licor ele largasse na sua mesa após o almoço ou quantas vezes ele abrisse os três primeiros botões de sua camisa deixando seu peito peludo e musculoso á mostra, Sandrinha não parecia se impressionar.
Paulão, em um primeiro momento, gostou muito daquilo. Era um desafio, geralmente Paulão estalava os dedos e as moças já estavam lhe entregando as chaves de sua gaveta de roupas íntimas, Sandrinha, porém, parecia uma rocha. Inabalável, inacessível, distante.
Paulão passou á investir com mais afinco na conquista de Sandrinha.
Flores, DVDs de filmes românticos, convites abertos, e não mais velados, para sair.
Nada, porém, parecia romper a muralha de distância de Sandrinha.
Paulão começou a ficar nervoso, as mulheres passaram a olhá-lo como se fosse um homem comum. Seus colegas e amigos passaram a fazer piadas quanto á suas habilidades de conquistador, até uma bolsa de apostas surgiu na repartição:
Quanto tempo Paulão levaria para comer a Sandrinha?
Todo o tempo do mundo estava liderando a bolsa interna da empresa.
Paulão, com seu tolo orgulho masculino ferido tomou uma atitude deseperada, e, como toda a atitude desesperada foi infantil, idiota e mal-pensada.
Paulão comprou uma daquelas calcinhas de vovó beges e pouco sexies tamanho 34, e levou pra empresa.
Na hora do almoço, ele perguntou onde Sandrinha iria almoçar, e perguntou se ela podia trazer pra ele uma trufa quando voltasse, ao que ela, educada que era, assentiu.
Na volta da pausa, Sandrinha, inocente que estava diante das maquinações de Paulão, deixou a trufa na mesa do colega diante de todos, ele agradeceu acariciando a mão de Sandrinha com uma insuspeita desfaçatez.
Assim que ela se dirigiu ao banheiro pra escovar os dentes, o calhorda, diante dos olhares curiosos dos demais, sacou da gaveta a calcinha e sorriu com cara de quem diz "O que eu posso fazer?", arrancando gargalhadas e congratulações de todos e recuperando seu tolo e frágil amor-próprio.
A questão foi que, eventualmente, como era esperado, Sandrinha ficou sabendo da trama que Paulão criara envolvendo-a, e, claro, não ficou nem um pouco satisfeita.
Pensou em subir nos tamancos e fazer uma cena na frente de todos, pensou, também em ir até a mesa diretora e fazer uma queixa formal quanto ao comportamento de Paulão, ou, até mesmo, abrir um processo judicial contra o pulha. Por fim, porém, escolheu outro curso de ação.
Na primeira roda de conversa da semana seguinte, em meio às demais colegas, quando perguntada sobre o Paulão, não titubeou:
-Ah, não foi ruim. Pena que foi tão rápido e uma vezinha só.
Outro dia, na fila do cafezinho, quando falavam sobre vexames, ela disparou:
-Ah, não, vexame, mesmo foi quando o Paulão e eu saímos e ele, na hora de sair do restaurante deixa cair o frasco de viagra.
Naquela semana inteira, Sandrinha entrou em mais rodas de conversa do que estivera desde que começara a trabalhar na empresa, em nenhum momento desmentiu a farsa de Paulão, apenas acrescentou detalhes.
"O problema, mesmo, era o cheiro, Avanço misturado com budum é pra matar.", ou "Tão bonitinho, parecia uma minhoquinha.", ou ainda "Eu achei que ele tinha terminado, mas ele tinha só parado um minutinho pra soltar um pum." foram ouvidos aos quatro cantos da repartição.
Claro, houveram mulheres que defenderam Paulão, houveram homens que não acreditaram, mas a semente do fiasco fora plantada por Sandrinha, e ela germinava fácil.
Paulão passou a ouvir risinhos maliciosos atrás de si, via sorrisos irônicos quando começava a falar de como havia sido fantástica sua conquista do final de semana. E, sendo inseguro como era, Paulão não suportou a pressão, e acabou pedindo demissão, desaparecendo da vida de todos.
Sandrinha não teve problemas, muitas mulheres da empresa haviam sido conquistadas pela aparência e pela lábia de Paulão, ela era apenas uma delas, e, secretamente, tinha uma satisfação que nenhuma das outras conhecia.

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