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sexta-feira, 20 de maio de 2011

Chocolate II



Ela chegou perto dele, sentado na soleira da porta, escondendo o rosto do sol com o capuz do agasalho de moletom que vestia por baixo do blazer de couro. Segurava na mão uma revista Superinteressante, que olhava sem muita certeza, dando falta dos óculos.
Ele ergueu o rosto quando ela se aproximou. Passou algum tempo olhando as pernas dela. Breves segundos. As pernas dela eram lindas. Ela era toda linda. Mas as pernas, em particular, eram espetaculares. Ele a encarou com um dos olhos fechado por causa do sol que lhe fustigou a vista, e ensaiou um sorriso.
Ela estava muito séria. Respirou fundo e começou a falar com a voz falseteada que ele aprendera a adorar:
-Comi um chocolate hoje e lembrei de você.
Ele sorriu sem dizer nada. Ela continuou:
-Será que você adivinha que chocolate era? - Perguntou, ainda muito séria.
Ele olhou pra revista que segurava em suas mãos sem ler nenhuma palavra impressa na capa. Respirou um segundo e arriscou:
-Sonho de Valsa?
Ela sacudiu a cabeça da esquerda pra direita em sinal de negativo.
-Serenata de amor? - Ele arriscou.
-Não. - Ela respondeu com a expressão fechada franzindo-lhe o cenho delicado entre as sombrancelhas bem desenhadas.
-Talento? - Ele quis saber, otimista.
-Não. - Ela respondeu quase em um suspiro.
Ele respirou fundo. Olhando pra cima. Enquanto enrolava a revista nas mãos. Tomou fôlego:
-Meio amargo... - Suspirou.
-É. - Ela assentiu, olhando pra ele, muito séria.
Ele sorriu tristemente sem dizer palavra. Ela sentou do lado dele na soleira da porta, ajeitando o vestido curto com as mãos e cruzando os joelhos um sobre o outro, também em silêncio.
Ficaram ali, os dois quietos, sendo aquecidos pelo sol naquela fria manhã de sábado.
Ele olhou pra ela. O sol e ela haviam sido feitos um para o outro. Se acreditasse em Deus, olharia pro céu e diria "Exibido". Ela olhava pra frente, escondendo a boca atrás dos braços apoiados nas pernas.
-Sabe... Antes de te conhecer, teria sido "todo amargo".
Ela o encarou por breves segundos. Ainda não aprendera a identificar quando ele estava sendo sarcástico. Ele olhou pra ela ainda sério. Ainda com um dos olhos fechado.
-De "todo amargo" pra "meio amargo", tu vai ter que concordar que é um puta avanço.
Ela sorriu, fazendo o sol sentir vergonha de si mesmo, e abraçou-lhe o pescoço. Ele respirou e olhou pra cima, aliviado enquanto a abraçava pela cintura delicada.
Quem sabe, com mais tempo, eles aprenderiam a entender um ao outro.

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