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terça-feira, 3 de maio de 2011

Entre Amigos.



Eram quatro à mesa. Todos amigos de longa data. Se conheciam já havia bons dez, quinze anos. Iam toda a sexta-feira ao bar juntos, iam acampar juntos, iam ao estádio juntos, jogavam futebol juntos, iam ao cinema juntos. Eram amigos de verdade, amigos do peito. Já haviam sobrevivido a casamentos, trocas de emprego e mudanças de endereço e filosofia de vida e faixa etária. Suas amizades haviam estremecido algumas vezes, mas sempre prevalecera. Já estavam naquela fase da vida em que não tinham mais segredos, até por que se conhecendo há tanto tempo, era difícil guardar alguma coisa dos demais. Foi o Antero, o mais velho, que depois de tomar um barulhento gole de chope falou:
-Se eu gostasse de pagode, minha banda preferida seria o Molejão.
Surpresa de todos.
Gargalhadas.
Nenhum deles gostava de pagode.
Nenhum deles ouvia pagode.
Pelo amor de Deus, eles se juntavam no carnaval pra subir a serra, ou pra viajar pra Argentina, onde não tinha essas coisas, e o Antero vinha com essa de pagode?
-Quié, isso, Antero? - Perguntou, surpreso, o Luís limpando uma lágrima do canto do olho. - Tu gosta de pagode?
-Não. - Corrigiu o Antero, sisudo. - Eu não disse que gostava. Disse que, se gostasse, no condicional, mantendo essa declaração no campo das suposições, eu seria fã do Molejão.
-Mas... Mas qual é o Molejão? - Quis saber o Dirceu, ainda rindo.
-É aquele... Aquele que o vocalista parece que tá sempre chorando... - Começou o Sérgio.
-O Netinho de Paula? - Arriscou o Luís.
Nova explosão de gargalhadas. Todos se viraram pra ele.
-Quem? - Perguntou o Antero, surpreso.
-Hã... Não sei... Tava chutando...
-Mentira! - Acusou o Sérgio. - Tu tava convicto demais. Tu sabia de quem tava falando!
-E reagiu especificamente ao lance do sujeito parecer um chorão. - Assomou Dirceu.
-É... Conte-nos mais sobre esse Netinho de Paula... - Encorajou Antero, sardônico.
-Nah... Esse cara namorava a Thaís Araújo... É por isso que eu sei quem ele é. Vi umas fotos numa revista de uma ex-namorada, uma vez... - Justificou-se o Luís, nervoso.
-E ele tem cara de choro? - Perguntou o Antero.
-Não, ele tem voz de choro. - Respondeu Luís, sem pensar.
-Arrá!!!! - Gritou o Dirceu, rindo novamente. - Tu sabe que ele tem voz de choro! Então tu, não apenas viu fotos, mas também o ouviu cantar!
-Não... Uma vez só, no Faustão, tava sem TV a cabo, esperando um jogo começar e vi ele cantando, e...
-Não me conta que eu não sou dinheiro, Luís! - Bradou Dirceu, acusador. - Tu ouvia pagode, admite!
-Não, não...
-Admite! - Insistiu Dirceu.
-Tá bem! Tá bem! - Admitiu Luís, de olhos fechados. - Eu ouvia o Negritude Júnior.
-Que quié isso? - Perguntou o Sérgio rindo demais.
-Era a banda em que o Netinho de Paula era vocalista. Eu gostava às ganhas da música da COHAB, nos anos noventa...
-Tinha uma música pra Cohab nos anos noventa? - Inquiriu Antero, surpreso.
-Tinha - Assentiu Luís. - Não era bem pra Cohab, mas se passava na Cohab. "Tô chegando na Cohab, pra curtir minha galera, dar um abraço nos amigos e um beijinho em minha cinderela..." - Cantarolou Luís, enquanto os outros faziam caretas de dor.
-Que horror.
-Eca.
-Creeeedo...
-É... Eu gostava dessa, só. Mas era difícil, meu. Naquela época só tocava isso no rádio. Ou era pagode ou era a Família Lima. Porra, Família Lima é pra foder o cu do palhaço. - Justificou-se o Luís.
-É, e Negritude Júlio é tri bom... - Provocou Dirceu.
-Negritude Júnior, burro! - Corrigiu o Luís.
Ficaram em silêncio enquanto o garçom colocava outra rodada na mesa. Antero agradeceu e todos beberam um gole longo de seus copos. Suspiraram.
Dirceu tamborilou os dedos na mesa. Antero pigarreou. Luís olhou pra cima e soprou um cabelo do ombro. Até que Sérgio quebrou o silêncio:
-Só Pra Contrariar.
Os outros olharam pra ele, que suspirou e continuou:
-Eu gostava. Aquela do mineirinho que comia quietinho e não sei o que lá... Eu curtia. Na verdade, nem curtia, mesmo, mas era uma lance com a minha namorada na época, a gente achava engraçado, então, eu ouvia aquela direto. Sabia a letra e tudo.
Os outros ficaram em silêncio, sem saber como reagir. Sérgio respirou fundo:
-Mas eu não parei por aí, não. Depois, alguns anos mais tarde, eu gostei de outra. Uma lá que o cara cantava que parecia que não parava pra respirar. Não lembro da letra... Mas o cara ia cantando, cantando, cantando, sem tomar fôlego. Achava legal. Sabia cantar e tudo.
-...
-...
-Que merda. - Disse o Antero.
-É. - Concordou o Sérgio. - Eu sei.
Todos riram de novo.
Os três se viraram pro Dirceu.
-E tu? - Perguntou, desafiador, o Luís.
-Eu, nada. - Respondeu o Dirceu, evasivo.
-Nada? - Quis saber o Sérgio.
-Nadinha. Nadica. Nadica de nada. - Respondeu Dirceu, ainda olhando pra cima.
-Desembucha. - Disse Antero, autoritário.
-É, vamo. - Aquiesceu Luís.
-Não seja frouxo. - Encoraju Sérgio.
-Não. Não tinha nenhuma de que eu gostasse. Não era fã. Ah, Jorge Aragão. Tinha uma do Jorge Aragão que era boa, uma lá do anel que ficava na baia dele e-
-Ah, cala a boca. - Interrompeu o Antero.
-É, Jorge Aragão passa. É que nem Martinho da Vila. - Concordou Luís.
-E Zeca Pagodinho. - Acrescentou Sérgio.
-Não força. - Disseram Luís e Antero olhando pro Luís fingindo preocupação enquanto riam de novo.
Terminaram seus chopes, e foram embora. O táxi foi deixando cada um deles pelo caminho. Quando chegaram à casa do Dirceu, só ele e Luís estavam no carro. Dirceu abriu a porta se despedindo, mas foi contido por Luís:
-Só entre nós... Nenhuma, mesmo?
-Nenhuma o quê? - Perguntou Dirceu, quase batendo com a cabeça no teto do táxi.
-Nenhuma música ruim?
-Nenhuma, tô te falando.
-Sério?
-Sim.
-Pô... Que sem graça...
-Sem graça? Nunca ter gostado de música ruim é sem graça?
-Não, é só... Sabe, a graça da nossa conversa toda, foi justamente o fato de que todo mundo já tinha feito uma bobagem, que à época, não era uma bobagem, era divertido, foi alguma coisa que, por alguma razão a gente achou bacana, por pior que fosse. E mesmo hoje, depois de tanto tempo, o que podia ser motivo de embaraço ainda é bacana por que serve pra gente rir com os nossos amigos.
-Tu tá bêbado, Luís.
-Tô... Tô, mesmo.
-Vai na calma, a gente se fala amanhã.
-Beleza.
Se cumprimentaram. Luís fechou a porta do táxi e deu as coordenadas finais pro motorista. Quando o carro ia arrancara, Dirceu abriu a porta, olhou bem pro Luís e cantarolou:
-Meu peru... É caseiro... Não pula no quintal de ninguém... Só fica no espaço que tem...para-rará!
Luís o olhou incrédulo por alguns segundos, e então explodiu em gargalhadas:
-Caraaaaalho, velho! É a pior de todas!!!!
-Eu sei, eu sei, Mas a minha guria ouvia tudo na época, e eu acabava ouvindo junto. Essa ficou. Sabia cantar inteira.
O táxi foi embora, levando Luís, ainda rindo muito, e prometendo que Antero e Sérgio ficariam sabendo daquilo.
Dirceu implorou que ele não contasse, mas Luís disse que contaria de um jeito ou de outro. Dirceu não se importou. Sua súplica fora da boca pra fora. Descobrira que, de vez em quando, é até divertido ser motivo de chacota.

Um comentário:

  1. Olá, primeiramente,parabens pelo texto, mas vc saberia quem canta essa musica do peru e o nome dela? Obrigado. (brunopo_rj@hotmail.com)

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