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segunda-feira, 30 de maio de 2011

Pizza


O Genaro se sentia uma fatia de sser humano. E o pior de tudo, nem sequer se sentia uma boa fatia. Ele se sentia uma fatia de ser humano referente àquela fatia de pizza de presunto que ninguém quis comer e começa a endurecer dentro da caixa de papelão, e provavelmente é jogada fora no dia seguinte pois o queijo borrachudo é ruim demais até pro cachorro encarar.
O Genaro sempre se sentiu desse jeito. Incompleto, insatisfeito. Infeliz. Ele até gostaria de ser dessas pessoas alegres que fazem, e que acontecem e que riem da vida achando tudo uma delícia. Não era, porém, o seu caso. Se o Wander Wildner não conseguia ser alegre o tempo inteiro, o Genaro não conseguia ser feliz nunca.
Não era, a bem da verdade, algo que incomodasse o Genaro. Ele aprendera a viver sem ser, sabe? Feliz. Acabou achando que felicidade era supérfluo. Coisa de rico, igual depressão. Genaro encontrava satisfações eventuais em uma porção de coisas, nos estudos, nos amigos, em suas coisas e seus assuntos. E ia levando dessa forma.
Até conhecer a Lisiane.
Lisiane era linda, claro. Genaro admitia seu superficialismo, se Lisiane não fosse atraente, não a teria notado. Ainda bem que era atraente, outrossim, Genaro jamais teria percebido todo o imenso arsenal de qualidades que Lisiane guardava além da beleza.
Lisiane era divertida, alegre, viva. Tinha nos olhos, no rosto, no corpo e nas palavras tanta vida... Tanta indignação, e não do tipo indignação de gaveta, com cara feia e discurso, não. A indignação da Lisiane era graciosa como ela. Era a indignação de quem vê algo errado e não reclama, conserta. Era assim que era Lisiane, um poço de iniciativa linda que só, viva que só, perfeita que só, a seu modo. E Genaro, claro, encantou-se por ela. E a quis para si. Sabia, porém, que alguém como ele jamais teria atrativos para alguém como ela. O que alguém como Lisiane veria em alguém como Genaro, senão um oposto?
Genaro não sabia, e, francamente, nem quis saber. O que Genaro tinha pra si como certeza é que queria estar perto de Lisiane sempre que pudesse. Tornariam-se bons amigos, pois Genaro, mesmo triste, não era má pessoa. E, de fato, ele e Lisiane tornaram-se amigos, pois tinham, entre todas aquelas diferenças, muitas afinidades. Filmes, livros, discos, e pasmem, até visão de mundo, Genaro e Lisiane partilhavam, apenas com abordagens diferentes. Passaram por bns e por maus momentos. Riram juntos e choraram juntos, um sobre o ombro do outro. E Genaro foi percebendo que muitas coisas haviam sido agregadas à sua vida. Tantas que só faziam com que Genaro ficasse mais e mais apaixonado por Lisiane a cada dia.
Foi quando percebeu que usara a expressão "apaixonado". Não lembrava de já tê-la usado antes. Percebeu, também, que já não se sentia como uma fatia velha de pizza de presunto esfriando e envelhecendo dentro da caixa. Não se sentia mais como um fragmento de pessoa. Subitamente, sabia o que devia fazer. Quando encontrou-se com Lisiane, sento-se ao seu lado, e disse que não podia mais ser amigo dela. Disse que continuar sendo seu amigo seria uma mentira, um engodo, pois ela tornara-se muito mais do que uma amiga para ele. Ela era o que o completava, o que o fazia ser uma pessoa inteira, e não mais a sombra pálida de um ser humano, e que se Lisiane não se sentia da mesma forma, era melhor que não se vissem mais enquanto ele podia sobreviver emocionalmente à separação.
Lisiane suspirou por um longo momento. Mordeu o lábio inferior e fechou um olho enquanto tirava o cabelo da frente do rosto, e disse que não. Não se sentia da mesma forma.
-Lamento, Genaro. Mas eu já era uma pessoa completa quando a gente se conheceu.
Genaro não pôde evitar, e fechou os olhos quando Lisiane falou.
-Tudo bem... Eu entendo. Eu meio que esperava por isso...
Mas ela continuou:
-Eu já era uma pessoa completa, e já era feliz. Eu só... Bom. Me sinto mais feliz contigo por perto. E, se eu tenho um defeito, é não saber abrir mão de nenhum grão de felicidade na minha vida.
E Genaro ficou estático enquanto ela o abraçava. E se o perfume dela, a textura de seus cabelos sob seu queixo, ou o tato de seus braços enlaçando seu pescoço não eram a melhor coisa do mundo, ele não queria a melhor coisa do mundo.
E se o Genaro queria mais coisas da vida além dela, olha, francamente era tudo acessório, pois ela era, e estranhamente, de algum modo, sempre fora tudo de que ele precisava, e tudo o que ele queria.
Ao lado dela, o Genaro não podia, ou queria ser feliz. Ao lado dela, ele sabia ser feliz, e isso, bom... Isso não se acha em qualquer caixa de pizza numa esquina...

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