Pesquisar este blog

terça-feira, 17 de maio de 2011

Embrulhos


Foi com a fronte suada e as mãos sujas que o Eriberto largou o pacote que acabara de embrulhar sobre a mesa.
Eriberto não gostava de suar, por isso odiava o verão. Naquele dia a temperatura era agradável, até. Dezessete graus. Eriberto gostava desse tipo de temperatura de meia-estação. Sentia-se bem com elas. Mas suava. Não por estar com um blazer e um agasalho por sobre a camiseta branca. Não. Não era por isso. Eriberto suara fazendo um embrulho. Eriberto era péssimo com embrulhos. Era péssimo com trabalhos manuais. Ele nunca gostara deles.
Lembrava-se das aulas de Artes do ensino fundamental. Quando a professora Vera, que tinha um nariz de papagaio e um aparelho chamado bio-monitor que ela usava pra conversar com plantas, dizia que a atividade do dia seria desenho livre, pintura, releitura de obras famosas, ele adorava. Quando ela avisava, no entanto, que deveriam levar jornais, revistas, tesoura, cola e cartolina ele ficava fulo. Não tinha coordenação motora, capricho, ou noção espacial o suficiente pra fazer dobraduras, colagens e origamis. Ainda hoje tinha a sensação de que se Educação Artística reprovasse, ainda estaria cursando o ensino fundamental.
Eriberto por um desses acasos do destino, volta e meia via cair em sua mesa produtos que precisavam ser embrulhados para viajar pelo correio. E sempre tomava uma surra dos embrulhos. Como essa que o fizera tirar o blazer e o agasalho e suar em um dia de temperatura amena de outono.
Lavou as mãos. Sentou-se de volta à sua escrivaninha observando a caixa de papelão enrolada em papel pardo e fita adesiva enquanto suspirava. Ela lhe veio à mente. Veio, nada. Nunca saía. Mas surgiu como uma presença mais forte ainda do que o de hábito. Ela devia ser boa nisso de embrulhos. Era delicada. Dedicada. Devia ser afeita à trabalhos manuais. Mais uma das coisas nas quais ela seria tão boa e ele tão ruim. Sentiu uma ponta de tristeza. Mas então sorriu enquanto pensava.
"Tu pode ser infinitamente melhor que eu na arte de fazer embrulhos e dobraduras, meu amor. Mas eu achei a ponta da fita adesiva tão rápido... Tu teria ficado orgulhosa..."

2 comentários:

  1. Definitivamente, encontrar a ponta da fita adesiva resolve 70% do problema! :)
    De que adianta tanto requinte na arte de embrulhar se não conseguimos deixá-lo com as pontas coladas? E cola, a não ser bonder, seca muito devagar, faz sujeira....

    Realmente, ele precisaria ficar orgulhoso dele mesmo, uma vez que , ela, certamente, também ficaria!!!

    ResponderExcluir
  2. Eu já passei horas raspando a unha contra a superfície do rolo de durex, é uma agonia!

    ResponderExcluir