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terça-feira, 10 de maio de 2011

Entrelinhas


Dinorá gostava de Celestino. Gostava, mesmo. Ela adorava Celestino, amava ele, de fato. E supunha ser correspondida. Se conheciam a bastante tempo, estavam juntos havia pouco. E, de modo geral, Dinorá não tinha lá grandes queixas. Se incomodava com pequenas coisas, tinha lá seus arroubos de possessividade e crises de auto-confiança. Tudo dentro da normalidade do universo feminino. Mas, vá lá. Sem grandes queixas, Celestino era, afinal de contas, o homem que ela escolhera pra ser o último de sua vida.
Celestino, por sua vez, nunca tinha queixa nenhuma. E Dinorá não tinha certeza de como se sentir com relação à isso. Aliás, se em algum momento havia algo de incomodava Dinorá em sua relação com Celestino, era o fato de ele nunca, jamais, em tempo algum, responder às perguntas dela com algum resquício, por pálido que fosse, de seriedade. Todas as perguntas que Dinorah fazia a respeito da relação que ambos partilhavam, eram respondidas com chistes, ironias ou piadinhas sarcásticas que, em mais de uma vez, deixaram Dinorá com vontade de esmurrar Celestino no fígado e pular em cima de seu peito usando salto-agulha.
Mas haviam outras coisas que, por sua vez, agradavam Dinorá o suficiente pra que ela resistisse aos seus impulsos mais violentos e mantivesse o seu bom nível de civilidade. Celestino era um sujeito decente. Não que fosse a fina flor do bom-mocismo, não, embora, ás vezes, houvesse bom-mocismo em excesso na opinião de Dinorá, Celestino era um bom sujeito, mas tinha lá alguns defeitos, que, por irritantes que fossem, serviam pra mostrar que Celestino não estava atuando em sua boa índole. Ou, ao menos não estava atuando o tempo todo.
Celestino não era bonito. Não que fosse feio, não era, mas estava longe de ser um galã. Dinorá dava-lhe um caldo em termos de beleza, mas parecia não se incomodar com isso. Celestino não se cuidava. Era largadão, não dava a menor bola pra coisas que Dinorá considerava importantíssimas, como medicina preventiva, por exemplo.
Era nerd, o Celestino. Irremediavelmente nerd. E tímido, podre de tão tímido. Tão, mas tão tímido, que não era capaz sequer de responder quando Dinorá dizia que o amava.
Isso tudo incomodava a Dinorá, que até aprendeu a conviver com as bobagens de Celestino. O que nunca parava de incomodá-la, era a falta de respostas de Celestino às suas perguntas, e o seu silêncio frente às declarações que lhe eram feitas.
O desgosto de Dinorá foi tão grande, que ela resolveu que não diria mais que o amava. Assim livrava-se das dúvidas que a afligiam à cada vez em que suas juras de amor recebiam nada além de reticências do alvo de suas afeições. Dinorá não disse mais nada. Parou de se declarar a Celestino, e resolveu tocar a relação dos dois mantendo guardado dentro do peito o sentimento que a fazia querer ficar junto daquele imbecil.
Deram sequência à vida em comum que resolveram partilhar. Dinorá ainda se ressentia de nunca ouvir uma resposta de Celestino às suas perguntas, mas ele era direito, era honesto, então, se não a amava, ou se não amava o bastante pra verbalizar, paciência. Ela iria até onde fosse possível.
Foi em uma tarde qualquer, às vésperas de uma viagem a trabalho de Celestino, que ele apanhou as mãos dela pra se despedir, e lhe deu um beijo gentil nos lábios macios, dizendo que se veriam em uma semana.
Ele entrou no elevador do prédio dando-lhe tchau, e antes da porta se fechar, Dinorá não resistiu e disse:
-Eu te amo.
E antes de sumir atrás das portas, Celestino sorriu, um sorriso pretensioso, algo pro lado, e disse:
-Eu sei.
Dinorá não soube ler nas entrelinhas na hora, apenas mais tarde ela ficou sabendo, mas aquela talvez fosse a maior declaração de amor de que Celestino fosse capaz.
Foi o momento em que ele verbalizou, em que ele pôs pra fora, em que ele externou seu amor por Dinorá.
Foi quando fez dela sua Princesa Leia.

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