Pesquisar este blog

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

No Lugar...


Saíram tarde do restaurante. Ele, que vinha praticamente jejuando durante a semana, comera um espaguete ao funghi e dois filés, à Capitão, claro, e ela comera uma generosa porção de risoto. Haviam entornado, juntos, oito latas de refrigerante. Ela, de Sprite, ele de Fanta, três laranja, uma uva. Foi ela quem falou, assim que o ar fresco da noite os encontrou, ao pararem na calçada da Riachuelo:
-Bah, guri... Vou ter que abrir a calça pra conseguir chegar em casa... Tô estourando.
Ele riu:
-Tu vai ter que comer cinco mil risotos iguais àquele pra "estourar", alemoa.
-Não... Tomei refri demais... Ou abro a calça ou arroto na tua frente. Tô em dúvida.
-Já te vi sem calça, mas nunca te vi arrotar...
Os dois riram. Começaram a andar em direção à Praça Dom Feliciano, subindo a rua... Ela agarrou o braço dele e deitou a cabeça no seu ombro:
-Tava com saudades tuas...
Ele deu-lhe um beijo na testa, e segurou a mão direita dela com a sua mão esquerda:
-Também tava com saudades de ti, lôra. - E a apertou de encontro a si. Ele fez um ruído de dor e desconforto:
-Pelo amor de Deus, criatura... Não me aperta. - Suplicou.
Ele riu.
Haviam conversado a noite toda. Colocado os assuntos em dia após alguns dias sem se verem.
Ele contara sobre como sua avó parecia cada dia mais frágil. Falara da inconformidade em ver alguém que menos de um ano atrás, andava lépida pela rua procurando sapatos cômodos, mas elegantes e óculos de lentes verdes, definhar a olhos vistos incapaz de se inteirar da realidade. Contou que estava triste. Contou que as coisas não haviam saído como ele esperava e que isso o entristecia ainda mais do que ele achava possível estar triste, e como a ligação dela viera à calhar, pois ele precisava conversar com alguém.
Ela também contara coisas. Seu pai fora ao médico fazer uma consulta de rotina e descobrira-se às portas de um infarto. Nem voltara pra casa, fizera uma cirurgia no dia seguinte. Colocação de um estêncil em uma artéria, mas estava bem, exceto pela dieta, pra um glutão assumido como ele, uma tortura chinesa. Ela contara, também, que comprara um capacho novo para o seu apartamento, que ele precisava ver, e, contara sobre um possível namorado novo. O Wanderlei.
Chegaram em frente ao prédio dela. Ela mexeu na bolsa:
-Peraí, sobe comigo rapidinho pra ver o meu capacho...
Entraram no edifício, subiram as escadas, e chegaram em frente ao apartamento dela. Diante da grade da porta, repousava o capacho branco, imitando a primeira página do Planeta Diário, com uma foto do Superman sob a manchete "Look! Up In The Sky!". Era maneiro, mesmo.
-Maneiríssimo. - Ele disse, agachando-se pra tentar, sem sucesso, identificar o autor do desenho. Era um de seus talentos nerd inúteis. Ele era capaz de reconhecer o trabalho de quase qualquer desenhista que já tivesse visto ao menos uma vez. Aquele, porém, parecia um desenho feito por um artista sem relação com os gibis, ou um artista de gibi que ele nunca vira antes.
-Legal, né? - Ela disse. Lembrei muito de ti quando vi. Falei "vou comprar só pra ver a cara do Ned quando ele vier aqui.".
-Muito bacana, Didi. Muito, mesmo. - Ele disse, sorrindo.
Ela ficou olhando pra ele. Parecia intrigada:
-Tu tá legal, né...?
Ele se levantou gemendo com a mão no quadril:
-Eu sou tão depressivo que te intriga me ver legal, alemoa?
-Dã... Nada a ver. Eu só gosto de te ver assim... Levinho...
-Depois de tudo que eu comi tô tudo, menos levinho.
-Ah... Concordo com ela. Homem que é homem tem que ser bom de gaRfo.
Os dois riram.
Ele tirou o celular do bolso e ergueu as sobrancelhas.
Ela disse:
-Já sei, tá na tua hora. - e o abraçou. -É bom te ver assim... Tu parece... Não feliz... Não é pra tanto, mas parece bem.
-Eu tô bem, alemoa. Podia estar melhor. Mas tô bem. - Ele assegurou, sustentando o abraço.
-Então fica melhor. - Ela cobrou o apertando. Foi a vez dele dar um gemido de desconforto:
-Não é tão fácil...
Ficaram ali abraçados um pouco. Ela disse:
-A gente devia fazer isso mais vezes.
-Antes do Uanderlai a gente fazia... - Ele replicou.
Ela o soltou rindo. Entrou no apartamento, e puxou a grade:
-Boa noite, Ned... Cuidado no caminho. Tá tarde.
Ele deu-lhe uma piscada:
-Meu nome do meio é perigo.
Ela puxava a porta, mas refreou-se. Olhou bem pra ele, sacudiu a cabeça e disse:
-Tu tá bem...
Então fechou a porta, e ele desceu a escada pra ir pra casa.
De certa forma, ele estava, mesmo bem. Não sabia pra onde as coisas se encaminhavam, mas a verdade é que, naquele momento, sob uma ótica específica, tudo estava no lugar. A questão era pra onde tudo iria dali por diante...

Nenhum comentário:

Postar um comentário