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quarta-feira, 29 de maio de 2013

Dança Folclórica Polonesa



Haviam acabado de apanhar os ingressos para o evento que ela queria assistir. Ela alinhada, de blazer de couro marrom, camiseta branca, jeans de grife bem cortado e botas de salto alto, ele desleixado, de agasalho do Capitão-América, camiseta preta, jeans largo e tênis branco.
Sentaram-se nos banquinhos de pedra do pátio em frente ao teatro. Ele olhou o ingresso que tinha na mão e resmungou coçando a barba:
-Não acredito que eu vou deixar de ver Velozes & Furiosos 6 pra isso...
-Ai, criatura, eu te disse que vou ver Velozes 6 contigo, depois... Esse filme vai ficar meses em cartaz o espetáculo é só hoje. - Ela retrucou, alisando a calça. -Além do mais tu não te cansa, não? Toda a semana é cinema, cinema, cinema... Varia um pouco. Hoje vai ao teatro, amanhã vai a um show... Muda, experimenta.
-E nem sequer é uma peça. É um espetáculo de dança... Eu tô indo ver um espetáculo de dança... Com entrada franca, claro, porque ninguém paga pra ver espetáculo de dança. Não tem explicação um lance desses... Eu pago teu ingresso no cinema, vamos lá, ainda dá tempo. O shopping é pertinho...
-Quer ir pro cinema, vai. Eu vou ver meu espetáculo sozinha. Show de dança folclórica polonesa. Quantas vezes se tem chance de ver isso aqui em Porto Alegre? - Ela perguntou, esticando as pernas intermináveis pra frente.
-É... É uma oportunidade única... - Ele replicou, desanimado demais até pra expressar sarcasmo.
Ela suspirou:
-Sério, Ned... Se tu vai resmungar e ficar emburrado a noite inteira, então eu realmente prefiro que tu vá ver Velozes & Furiosos 6.
-Eu paro de resmungar ou paro de ficar emburrado, as duas coisas, não rola.
Ela chegou a ensaiar um sermão, mas ele riu e se endireitou no banco. Viram as pessoas passando em direção à bilheteria. Ele pensou em dizer que estava se armando uma festa estranha com gente esquisita, mas evitou. Quando olhou pra ela, viu que ela estava olhando pra ele, mas desviou o olhar assim que ele virou. Ele franziu o cenho:
-Que foi, alemoa?
-Nada. - Ela respondeu, rápido.
Ele insistiu:
-Quê é que foi...
-Nada, já disse...
-Olha... Eu já tô com minhoca que chegue na cabeça, Didi. Me fala.
Ela olhou pra ele de soslaio, esfregou as mãos e disse num meio sorriso:
-Faz a barba, pelo amor de Deus?
Ele riu.
-Por que? Minha barba tá te incomodando?
-Ai, Ned... Não tá incomodando... Mas... Sei lá.
-Ah, bom. Agora faz sentido...
-Não, tá... Tu parece um sem-teto. Pronto, falei.
Ele riu de novo, agora bastante, até quase chegarem-lhe lágrimas aos olhos:
-Um sem-teto?
Ela não respondeu. Ele continuou rindo.
-Mas como assim, um sem-teto?
-Ai, não sei. Parece um mendigo. Essa barba cheia de falha... - Ela desenvolveu, sem olhar direto pra ele.
Ele recuperou o fôlego:
-Pôxa... Minha barba do Keanu Reeves...
-Tem um motivo pro Keanu Reeves não usar barba em praticamente nenhum filme, queridinho...
-Ele usa barba em O Homem Duplo!
-Nesse filme ele é viciado em drogas.
Os dois riram. Começaram a aparecer mais pessoas do lado de fora do teatro esperando a abertura da sala. Ele suspirava, limpando os olhos após cessar o ataque de riso.
Ela tomou fôlego, limpando embaixo do olho enquanto abria a boca pra esticar o rosto sob os olhos pra não borrar o rímel. Perguntou:
-Isso tem a ver com ela?
-O quê? A barba? - Ele inquiriu, sem certeza de ter entendido.
-É. É alguma coisa relacionada com ela?
-Não... Não acho que seja... Porque seria?
-Sei lá...
-Pra quando eu me olhar no espelho ver uma cara diferente da que eu tinha quando perdi o amor da minha vida?
-Tu não perdeu o amor da tua vida. Dispensou... É diferente. - Ela recriminou.
-Não... Não dispensei... - Ele afirmou.
-Como se categoriza o que tu fez, então? - Ela perguntou, se endireitando.
-É... É uma... É o melhor pra ela. Ele e eu não tínhamos mais futuro. Ela não era mais capaz de confiar em mim. Eu fiquei magoado. Quando isso acontece eu guardo rancor... Nossa relação tava condenada. Ela vai estar melhor com outra pessoa. Alguém em quem ela possa confiar. Que não omita coisas importantes dela pra tê-la por perto. Que não tenha sido sinônimo de perrengue na vida dela. Que não cause repulsa na mãe dela... Em cada esquina tem um sujeito melhor que eu pra ela. E todos querem ficar com ela porque nenhum deles é burro.
-Ai, Rodrigo... Olha...
Ele a encarou surpreso. Ela nunca o chamava pelo nome. Ela continuou:
-Tu... Eu não sei onde isso começa. Um dia vou querer analisar uma lista completa dos teus namoros e ver onde a coisa começa a degringolar...
-Vai ser uma lista curta...
-É... Ao menos vão ser menos dados pra analisar... Sério. Não sei o que tu tem na cabeça... Vocês... Tu e ela, vocês tinham que ficar juntos. Tinham, não. Têm. Vocês têm a obrigação moral de ficarem juntos.
Ele riu, mas ela continuou, muito séria:
-Tô dizendo. Sabe... A gente vê essas comédias românticas... Esses filmes tipo Simplesmente Amor, Sintonia de Amor, Mensagem pra Você... E tá, a gente vê, acha bonitinho, dá risada, e quando termina a gente fica com raiva e pensa: "Nah... Não existe isso." Imagina que esse mundo de desencontro ia acabar num casal ficando junto? Ninguém ia ter paciência pra esperar pelo outro, e se um tivesse o outro não teria.".
Ela botou a mão no braço dele.
-E aí, vocês têm isso. Vocês conseguiram um roteiro de comédia romântica que terminou com o casal junto. Feliz. Esperando um pelo outro e... Sabe? Me indigna vocês, vocês, não, tu, me indigna tu deixar isso acabar.
Ele suspirou, apanhou a mão dela e deu um beijo, então, enquanto a acariciava disse:
-Tem coisas dessa história que tu não sabe... Que eu não posso te contar. Mas que mostram que eu não sou uma presença positiva na vida dela. Confia em mim... Ela tá melhor sem mim.
Ela recolheu a mão e perguntou:
-E tu? Tu tá melhor sem ela?
Ele sorriu, olhou o movimento e disse:
-O teu espetáculo de dança folclórica vai começar.
E eles entraram pra ver uma hora e meia de gente feia participando de um espetáculo de dança chato pra caramba. E não se falou mais no assunto de modo que ele não teve que responder:
"Eu não existo mais sem ela."

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