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quarta-feira, 8 de maio de 2013

Definições do Amor E Lanches do Burger King



Os dois se encontraram no shopping pra almoçar conforme haviam combinado dois dias antes. Ele chegou antes, de preto, casaco, camisa e cachecol pretos, cabelo mal acomodado sob uma tiara roubada da irmã, barba de muitos dias, sentou e ficou esperando ela, sugestivamente na frente do Burger King, como que declarando que não comeria na Feira da Fruta.
Ela chegou, loira, alta, bonita e fresca pra um dia tão frio, com as pernas quilométricas de fora. Ela era a Elaine perfeita pro seu Seinfeld torto.
Concordaram em comer no Burger King, pediram seus lanches, encheram os copos com Pepsi, e sentaram.
Na mesa ao lado, um casal trocava carícias de fazer mães conservadoras cobrirem os olhos dos filhos. Ela, desembrulhando seu sanduíche, disse:
-Ah, o amor...
-O amor é o Jude Law vestido de mulher... Tu vai olhar de relance, e pensar que é a melhor coisa do mundo, mas quando tu menos esperar, ele vai tentar te foder. - Ele replicou espalhando ketchup sobre as batatas fritas despejadas sobre o papel que enrolava seu lanche.
Ela riu:
-De minha parte, A-M-E-I a ideia, mas entendi o teu ponto de vista.
Ele continuou:
-Não é a mais glamourosa das definições do amor, vá lá, mas certamente se aplica.
-Sei não... - Ela tergiversou enquanto comia um pedaço do hambúrguer Whooper Furioso que tinha diante de si. -Quando a gente começa a pensar em amor, geralmente surge essa ideia idílica de perfeição, de amor idealizado, e as pessoas se sentem traídas, não porque o amor é ruim, mas porque a ideia que elas fazem é totalmente fora da realidade... Tu não pode culpar o amor de verdade que tu encontra por ser menor do que a expectativa maluca que tu colocou na cabeça quando estava na fase do flerte da mesma forma que tu não pode culpar um livro ou um filme por não superar ou alcançar as tuas expectativas. As expectativas são tuas, e tu é o responsável por elas. - Ela concluiu, dando um gole na sua Pepsi.
Ele estava olhando pra ela sobre um Stacker duplo. Ergueu as sobrancelhas:
-Se isso é um argumento pra defender o Cornwell te garanto que não vai adiantar. As minhas expectativas com relação ao livro eram perfeitamente realistas.
-Tu leu muito Tolkien e Martin, tuas expectativas são sempre fora da realidade. Mas não, não tava falando d'As Crônicas de Arthur. Tava falando de amor, mesmo. A expectativa do amor é, muitas vezes, demais pro amor de verdade suportar. Tu formula mil ideias, embalado por coisas que ouviu, filmes que assistiu, livros que leu, dogmas que tu formulou com base na tua vivência, e vai jogando isso tudo em cima dos ombros de outra pessoa que tem um background diferente, ansiedades diferentes, desejos diferentes... Se os dois, ou pelo menos um dos dois, não for muito cabeça feita, e expectativa mata um relacionamento, e manda o amor lá pra casa do-
-Capita... - Ele sugeriu mastigando uma batata frita coberta de ketchup.
-... - Ela ergue as sobrancelhas bem alto, olhando pra ele séria.
-Desculpa. - Ele pediu, levantando uma mão, sem jeito.
Ela continuou:
-Sério... O amor idealizado, é o algoz do amor de verdade.
-Belas palavras. Foi o que aconteceu com a gente quando nós namoramos? - O tom dele saiu mais ríspido do que ele imaginara. Abrandou as feições pra tentar deixá-la menos desconfortável. -Não precisa responder. Desculpa. Eu não devia-
-De certo modo. - Ela o interrompeu. -Mas... Eu não sei quanto às tuas idealizações... Não sei mesmo. Eu posso falar pelas minhas. Eu queria que tu fosse mais aventureiro... Que gostasse mais de viajar... Que não evitasse minha família a todo o custo... Mas acho que, mais do que as minhas idealizações com relação ao amor, o que matou nossa relação foram as minhas idealizações com relação à vida. O engraçado foi que, eu viajei, fui pra Buenos Aires, me formei, e enquanto vivia lá fui pro Uruguai, pro Peru, e pro Chile, mas descobri que a realidade de viver viajando foi assassinada pela minha ideia de viver viajando. É muito mais trabalhoso, muito mais cansativo, muito mais desgastante em todos os sentidos do que eu imaginava quando fui embora, não que fosse ruim, não era, mas era diferente e não só de uma boa maneira. Então, eu não deixei de ter razão... O rebuscamento da idealização mata a franqueza da realidade, ainda que a realidade não seja ruim... E isso vale pra tudo, inclusive o amor.
Ele terminou de ouvi-la falando e comeu um pedaço do sanduíche. Ela fez o mesmo. Mastigou um anel de cebola. Bebeu um gole de refrigerante. Perguntou:
-Quantos anos a gente tinha? Aquilo foi em dois mil e Quatro... Cinco? Não é?
-Os dois... Segundo semestre de 2004, primeiro semestre de 2005. Eu tinha vinte e três pra vinte e quatro, tu vinte pra vinte e um.
-Eu era uma fedelha... - Ela disse colocando uma mão na cabeça.
-Eu também. - Ele disse. -Não uma fedelha... Um fedelho.
-Quer dizer... Era até esperado que eu agisse feito uma idiota, né, Ned? Vinte anos...
-Vinte e um quando tu te mudou. - Ele corrigiu.
-Vinte, vinte e um, é, foi em abril... Dez de abril...
-Dez de abril...
-Eu tinha tudo planejado... E nada foi como eu tinha pensado... Em nenhum âmbito da minha vida...
-"Algoz", "âmbito"... Dormiu com a enciclopédia, alemoa?
Os dois riram. Ela comeu mais um pedaço do seu lanche.
-Eu sei das minhas idealizações... E tu? Como é que tu idealiza as coisas?
-Eu... Tu sabe que eu não sei? Eu realmente não sei se eu idealizo nada, Didi... Eu só espero que tudo dê certo, mas a vida tem um jeito todo especial de me ferrar. A minha idealização do amor é... É ir ao cinema na sexta. Jogar RPG no sábado. Ver um filme ou um desenho idiota no domingo dando uns malhos no sofá. É se encontrar com a pessoa que eu amo, jantar fora, conversar bastante, rir muito, fazer sexo pelo menos umas quatro vezes por semana, ficar de conchinha até pegar no sono... Não é tão idealizado, né? Claro, eu quero fazer tudo isso e ter espaço pras minhas manias. Pros meus hábitos irritantes. Pras coisas de que eu não abro mão. Quero que ela saiba que o fato de eu, de vez em quando precisar de um pouco de espaço, de querer ficar sozinho ou ficar com meus amigos não significa que eu não a ame ou a ame menos... Só isso. Isso é idealizar demais?
Ele suspirou largando os braços pros lados da cadeira. Olhou pra baixo, então encarou a loura do outro lado da mesa e deu seus sorriso mais feio e triste, emulando Dustin Hoffmann.
Ela o olhava enternecida.
-Não... Não é demais. Era só isso?
-É... Só isso. Só que eu queria pra sempre...

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