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quinta-feira, 9 de maio de 2013

Zangieff



A mensagem que ele enviou, precisamente às nove e vinte e três da manhã, dizia:
"Desculpa o que eu disse ontem.
Tu não é como um abutre. Nem remotamente parecida com um abutre. Eu estava magoado, fui estúpido e lamento muito.
Espero que tu possa me desculpar.
Tchau."
A resposta não veio até cinco pro meio-dia. Foi quando o telefone dele tocou e o nome dela apareceu no display. Ele logo imaginou que seria uma conversa exasperada, mas, pra ser totalmente franco, àquela altura, um pouco de exasperação teria tanto efeito nele quando um estilingue teria contra os prédios de Hiroshima após a detonação da bomba em 1945.
Ele atendeu:
-Pronto.
-Tu foi muito estúpido comigo.
-Eu sei. Me desculpa.
-Tu me magoou muito. Tu estar magoado não te dá o direito de magoar os outros. Tu é adulto, devia saber disso, já.
-Eu sei. E eu lamento. Sério.
-...
-Sério. Eu sinto muito, mesmo. Desculpa, alemoa.
-Tá... Desculpo. Olha... Eu não tinha que ter... Enfim... Ter corrido pra te contar, tá? Desculpa, também...
-Já te desculpei por coisas piores... Tá tudo bem...
-Não... Olha... Eu sou adulta. Nós dois somos. Eu sei, sabe? Que pra nós... Tu e eu, já deu. A gente é amigo por isso. Porque é o que tem aí pra gente, agora... Mas, olha... Tu tá desde janeiro nisso... Desse jeito...
-É... Eu sou assim... Tenho meu tempo pras coisas. Mas tô funcionando, não tô? Eu tô funcional.
-Funcional, só, não basta. Ela tá tocando em frente... Eu achei que, saber disso, te ajudaria...
-Não... Não me ajuda...
-Cara...
-Eu sei. Eu sei. Olha, ninguém é mais consciente da situação do que eu, Didi. Ninguém. Tá? Eu tô colhendo o que eu semeei. Tô ligadíssimo nisso. Que nem tu diz, "responsável pela minha própria tragédia". Tranquilo. Eu arco com isso. Mas saber disso, não facilita as coisas. Ler o que tu me mostrou ontem, não facilita as coisas.
-Desculpa... Eu achei que-
-Que um choque de realidade fosse me fazer bem... Tô ligado.
O tom fora áspero. Ele respirou fundo, continuou:
-Eu sei... Tu não precisa te preocupar. Eu fiquei bravo na hora, mas passou. Eu te peço desculpas pelo que eu te disse ontem, tá? Eu sei que tu não tinha má intenção. Me desculpa.
-Tu te desculpa demais.
"E tu de menos.", ele teve vontade de dizer. Mas ao invés disso disse:
-Eu sei.
-Se tu tá tão assim... Triste, desenxabido... Tu sabe o que devia fazer, né?
-Eu sei o que tu acha que eu devia fazer. Mas não é assim. Não ia adiantar pedir essas desculpas. É como tu me disse ontem, "Ela ainda tá aqui, mas o avião já decolou".
-Ned... Eu não notei quando escrevi... Foi cruel dizer isso... Me desculpa, tá?
-Não te esquenta. Já desculpei.
-O que tu vai fazer, agora?
-O que eu sempre faço... Ler muito, ver filmes, desenhar, escrever... O de praxe. Vou continuar funcionando porque o que eu sinto, não mudou.
-Não... Isso eu sei... Quero saber agora, na hora do almoço. Quer me encontrar pra comer alguma coisa? Não precisa ser na Feira da Fruta...
-Não... Obrigado, mas já correu mais da metade do meu horário de almoço. Vou pegar um lance no Zangieff e era isso.
-Onde?
Ele suspirou:
-No mercado.
-Ah. E de noite? Quer ir no cinema? Ou sair pra jantar?
-Hoje, não... Obrigado. Acho que vou ficar sossegado em casa, mesmo...
-Tu ainda tá brabo comigo?
-Talvez um pouquinho... Mas me dá uns dias que termina de passar, tá?
-Tá...
-Tchau, e acaba com teus clientes todos, hoje. Broca neles.
-Palhaço. Tchau... Juízo, tá?
-É meu segundo nome...
Desligou. Enquanto andava até o mercado, apagou a mensagem que mandara mais cedo. Moveu o dedo sobre a tela do telefone, e abriu a última mensagem enviada na noite anterior:
"E o que tu quer que eu diga? O que tu quer? Pra que tu queria que eu lesse isso? Tu parece um abutre em volta de mim.". Apagou a mensagem. Envergonhava-se de tê-la enviado.
Andou até o mercado, pensando no que sua amiga havia feito... Ela lhe mostrou aquela postagem, provavelmente na esperança de que ele ficasse com raiva... Como a tática de se concentrar nas coisas ruins que haviam lhe ensinado meses antes... Bobagem.
Ele ficara magoado, triste, não com raiva.
Aquilo não mudava nada. Que ela fosse feliz.
Era por isso que ele torcia. Que ela houvesse encontrado o amor da sua vida.
O verdadeiro.
E que não o deixasse escapar... Como ele, de forma tão incauta havia feito.
Entrou no mercado e não pôde se furtar de pensar em como seria maneiro se houvessem uns sujeitos fortões de sunga vermelha e umas modelos russas de biquíni dançando a balalaika na entrada.

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